Por falta de condições higiênico-sanitárias mínimas na comercialização de alimentos, de segurança aos comerciantes e por ameaçar tanto a saúde pública quanto o meio ambiente, o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL) ajuizou, nesta segunda-feira (16), uma ação civil pública, com pedido de liminar, para interdição total do Mercado da Produção de Maceió no prazo de 10 dias.
O procedimento da 61ª e 66ª Promotorias de Justiça da Capital se encontra agora na 14ª Vara Cível da Capital (Fazenda Municipal) e visa garantir a reforma do prédio localizado no bairro da Levada em até 180 dias, com início das obras em até 30.
Com base nos relatórios técnicos do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Alagoas (CBM/AL) e da Vigilância Sanitária de Maceió, os promotores de Justiça Hylza Paiva Torres e Antônio Jorge Sodré apontam como principais problemas do equipamento público as contaminações e propagação de infecções, ausências de acomodação condizentes para a comercialização dos produtos postos à venda e a falta de fiscalização quanto à má manipulação deles.
“Considerando-se o enorme volume de mercadorias ali comercializadas diariamente nas condições atuais, tanto para o consumo residencial, quanto para utilização como matéria-prima em serviços de alimentação (restaurantes, lanchonetes, hotéis), conclui-se que grande parte da população de Maceió está sujeita ao risco sanitário oferecido por esses produtos”, ressaltam os promotores de Justiça na petição.
Há ainda a necessidade de prevenção de desastres no local, como incêndios, situações de pânico e desabamentos e do cuidado com o meio ambiente, em especial diante do descarte irregular de resíduos, que causa degradação ambiental. Em virtude do quadro encontrado, tanto CBM/AL quanto a Visa recomendaram ao Ministério Público Estadual a interdição total do prédio.
“As condutas encontradas por órgãos de fiscalização no Mercado Público ferem uma série de dispositivos legais, normas técnicas e regulamentares que balizam um padrão mínimo de qualidade nos serviços prestados no local, pondo, diariamente, em risco a integridade física e a saúde da população maceioense”, afirmam os representantes do Ministério Público Estadual.
Realocação dos comerciantes
Como um dos objetivos da ação é melhorar a vida dos comerciantes e preservar a saúde pública a partir da reestruturação do Mercado da Produção, o MPE/AL também pede que o Município de Maceió, representado pelo prefeito Rui Palmeira, realoque os permissionários permanentes do prédio para outra área de Maceió, de modo a assegurar-lhes a continuidade do comércio, desta vez em condições adequadas de trabalho. O Município terá 10 dias para realocar os trabalhadores a partir da interdição do mercado.
Além do prefeito de Maceió, a ação civil pública tem como alvo os chefes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (SEDET), a Superintendência de Limpeza Urbana de Maceió (SLUM) e a Secretaria Municipal de Trabalho Abastecimento e Economia Solidária (SEMTABES), sendo esta o principal órgão responsável pela sua manutenção e conservação.
Caso os gestores públicos deixem de acatar as determinações judiciais, deverá incidir sobre eles uma multa pessoal no valor de R$ 20 mil, por dia, para cada um deles. Já para o Município de Maceió o valor da multa diária deverá ser de R$ 40 mil, se assim entender o Juízo de Direito responsável por julgar os pedidos da ação civil pública.
Condições higiênico-sanitárias
A Vigilância Sanitária Municipal (Visa) realizou vistoria no Mercado de Produção Municipal em outubro do ano passado. Na ocasião, o órgão público teve como objetivo a inspeção nas dependências do prédio e a verificação das condições ambientais, de higiene e de manipulação de alimentos, com vistas a possíveis irregularidades.
Segundo a Visa, o Mercado da Produção foi construído na década de 80, sendo que, à época, era um edifício moderno. No entanto, a construção se deu numa área de aterro, anteriormente mangue, justificando os alagamentos do local, inclusive no momento da vistoria dos técnicos do órgão municipal.
A cobertura do prédio é uma estrutura metálica e apresenta gotejamento sobre os produtos em toda a sua extensão. De acordo com o relatório da Vigilância, o telhado não passa por limpeza e manutenção há anos. Nele, pode-se observar teias de aranha, oxidação, telhas quebradas e luminárias expostas, além de inúmeras infiltrações.
O órgão municipal constatou, através de informações colhidas durante a vistoria, que existe uma empresa contratada para realizar a limpeza e higienização do mercado diariamente ao final das atividades. Mas somente água é utilizada nesta limpeza, sem a adição de detergentes ou desinfetantes.
Entre os aspectos que mais chamaram a atenção da equipe da inspeção, encontra-se uma “adaptação na estrutura original” do poder público, que construiu uma cobertura contígua ao mercado, com piso e balcões anexos. Nesse “puxadinho”, não há paredes ou outras delimitações.
Ao redor do Mercado de Produção, instalaram-se inúmeros estabelecimentos, desde barracas a imóveis maiores, que comercializam todos os tipos de produtos alimentícios, sem qualquer controle de procedência e expostos a toda sorte de contaminação.
Comércio clandestino
Em relação a origem e ao recebimento de produtos, constatou-se a falta de controle na circulação das mercadorias. Por ser o Mercado da Produção, um equipamento de grandes proporções e ter várias entradas, segundo a Vigilância Sanitária, fica muito difícil impedir a entrada de produtos clandestinos, “máxime quando o poder público não promove uma fiscalização séria”.
Para se ter uma ideia, todos os pescados comercializados no prédio são considerados clandestinos, justamente por deixarem de passar por inspeção sanitária ou não possuírem registro nos órgãos de fiscalização competente. Quanto às aves, só é possível encontrar frango proveniente de abatedouros também clandestinos, principalmente nos arredores do equipamento público, onde são expostos nas tarimbas em temperatura ambiente e sob manipulação sem higiene.
As carnes bovinas vêm dos dois únicos matadouros frigoríficos existentes em Alagoas com registro no serviço de inspeção estadual. Mas, segundo a Visa, mesmo com essa “origem oficial”, perde-se na desorganização do mercado. As carnes e derivados são levados ao Mercado da Produção em caminhões sem refrigeração e sem condições de higiene adequadas.
“Não se pode descartar a entrada no mercado de carcaças bovinas sem certificação, pois a maioria dos permissionários, quando solicitado durante a vistoria técnica, não apresentou documentação comprobatória de procedência das carnes”, afirmam os técnicos da Vigilância Sanitária de Maceió.
Já as carnes de suínos, caprinos e ovinos possuem boas chances de serem clandestinas, uma vez que, em Alagoas, de acordo com o relatório da Visa, não há estabelecimento oficial, com registro nos órgãos competentes e de inspeção veterinária, para o abate dessas espécies. Foram também observados mel e ovos sem o devido registro nos órgãos de fiscalização, não se sabendo sequer a origem destes produtos e se passaram pelo controle sanitário.
“A falta de comprovação de origem e sanidade dos alimentos, principalmente os de origem animal, associada à ausência de práticas de higiene no transporte, armazenamento, exposição e manipulação desses produtos, oferece risco iminente e grave à saúde pública. As principais doenças transmitidas por alimentos e zoonoses que podem ser veiculadas pelos alimentos comercializados no Mercado da Produção, sejam de caráter agudo ou crônico, podem causar óbitos ou sequelas temporárias ou permanentes, que, além do sofrimento de famílias inteiras, traz incontáveis gastos ao poder público com tratamentos de doentes e à economia local”, alerta o relatório da Visa.
Contaminação dos alimentos
A vistoria relatou que os comerciantes e funcionários do Mercado da Produção não possuem Atestado de Saúde Ocupacional (ASO), muito menos com risco específico para a manipulação de alimentos. Nesse ponto, os técnicos advertem que alguns dos manipuladores podem apresentar resultados positivos para doenças crônicas e graves como sífilis ou tuberculose.
“Destacam-se também a total ausência das boas práticas de manipulação de alimentos pelos vendedores desse setor, trabalhando sem uniformes adequados, avental, touca ou calçados fechados; ao revés, usam adornos, unhas compridas e pintadas, bigodes e barbas. Eles ainda recebem dinheiro e alimentam-se durante a manipulação dos pescados, todas atitudes condenadas pela legislação sanitária”, frisou o Ministério Público na ação, baseando-se no relatório da Visa.
No local, não existem pias para a lavagem de mãos, lixeiras acionadas a pedal ou contentores adequados para sabonete líquido e papel toalha. Segundo os técnicos da Visa, em nenhum momento durante a inspeção, qualquer dos manipuladores foi visto lavando as mãos, até porque falta equipamentos para isso. Para a limpeza dos membros, eles usam panos de pratos deteriorados e sujos. A Visa defende a adoção de um manual de boas práticas destinado à manipulação de alimentos para os comerciantes e funcionários.
Além dos fatos acima, soma-se a existência de lixeiras sem tampas, sanitários instalados nas proximidades, animais domésticos que perambulam livremente nessa área. Há também nas imediações esgoto que corre a céu aberto.
“Como agravante desse cenário, que lembra muito os mercados públicos das cidades brasileiras do século XVIII, a grande quantidade de moscas existentes no local entra em contato com esse ambiente, eivado de contaminação, para em seguida pousar sobre os alimentos expostos”, completam os promotores de Justiça.
Impacto ambiental
Os estabelecimentos do entorno do mercado da produção comercializam aves sem procedência sanitária comprovada, sendo essas, inclusive, abatidas na hora, sem inspeção sanitária por médico veterinário, em temperatura ambiente e em péssimas condições de higiene, infrigindo todas as normas sanitárias vigentes.
Os restos de abate, como sangue, penas e vísceras são depositados no lixão do equipamento público com o consentimento da sua administração. O relatório da Vigilância Sanitária Municipal afirma que tais resíduos causam a obstrução da caótica rede de esgoto da região, escorrendo os detritos nas calçadas, provocando danos ambientais.
Durante a inspeção, os técnicos constataram lixo espalhado por todas as partes do prédio. Segundo a Visa, o Mercado da Produção precisa de um programa de controle da destinação do lixo gerado. Perde-se a oportunidade de reciclar resíduos quando eles deixam de ser separados por tipo de material.
Após a coleta, o lixo é levado para um terreno situado a vinte e cinco metros do prédio do Mercado da Produção, onde permanece a céu aberto, sujeitos às intempéries e exposto a roedores, baratas, moscas, urubus e pombos, em flagrante desrespeito a legislação ambiental. Nesse local, não há controle de entrada de pessoas, pois os portões permanecem sempre abertos.
O órgão ministerial chegou a pedir ao Município um estudo de impacto ambiental da atividade econômica no local, no entanto, mesmo diante de várias solicitações do órgão ministerial, a gestão anterior da SEDET não o apresentou, nem justificou a falta ou as dificuldades para a elaboração do documento. As informações referentes ao meio ambiente foram todas obtidas no relatório da Vigilância Sanitária Municipal.
Risco de acidentes
Durante vistoria realizada no Mercado da Produção em outubro de 2016, o CBM/AL constatou que a quantidade de extintores é insuficiente, e os poucos que existem estão com as cargas vencidas. Faltam ainda sistemas de hidrantes e de alarme de incêndio na edificação e ao redor dela.
Além disso, não há sistemas de iluminação e sinalização de emergência, muito menos placas de sinalização com rotas de fuga e de saída; a maioria das saídas de emergências possuem obstáculos que dificultam a evacuação de pessoas em caso de incêndio; os corredores estão parcialmente obstruídos com mercadorias; e as instalações elétricas apresentam fiação condutora exposta.
“Deste modo, não atendendo as condições necessárias de segurança contra incêndio e pânico, a edificação tem elevado risco para a população que lá trabalha e frequenta. A briosa corporação concluiu a vistoria asseverando a necessidade, em caráter de urgência, de providências para que finalmente fosse executado o Projeto de Segurança Contra Incêndio e Pânico aprovado em 2013”, explicam os promotores de Justiça.
Segundo relatório dos bombeiros, a interdição total deve durar até que se execute os preventivos básicos, com a adequação dos extintores de incêndio, iluminação de emergência, sinalização de emergência, alarme de incêndio e instalações elétricas em conformidade com as normas técnicas vigentes, brigada de incêndio, hidrantes e saída de emergência.
Mais pedidos
Além da interdição e da reforma do Mercado da Produção de Maceió, o MPE/AL pede a desocupação total do entorno do equipamento público, atualmente ocupado por comerciantes (ambulantes) que negociam produtos alimentícios sem as condições mínimas de higiene, em até 10 dias. No mesmo prazo, deverão ser fechados todos abatedouros e matadouros clandestinos ou irregularidades em funcionamento na cidade, em especial os que operam nas proximidades do prédio em destaque.
Em relação aos permissionários permanentes e temporários do Mercado da Produção, o Município deverá promover o recadastramento de todos em até 30 dias. O poder público deverá oferecer a eles e aos ambulantes autorizados, no prazo de 90 dias, cursos de capacitação no sentido de orientá-los segundo diretrizes da vigilância sanitária, técnicas de higiene, manipulação de alimentos, conservação destes e seu devido descarte, dentre outras cousas que se apresentam para a boa prática de comércio em locais como de mercados públicos. A renovação das permissões permanentes e temporários ficará condicionada à apresentação dos respectivos certificados da formação.
No que se refere à reforma do prédio do Mercado da Produção, deverá ser observado estrutura, escoamento de das águas pluviais e drenagem, rede hidráulica, rede elétrica, coberturas, telhados, pisos, paredes, luminárias e portões. As obras devem obedecer às normas técnicas da ABNT, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de saneamento para as áreas como do referido mercado, do Decreto Estadual nº 26.414/2013 e do Código de Urbanismo e Edificações de Maceió em virtude dessa espécie de construção e sua finalidade.
O Município deverá criar no local acomodações para os permissionários (vestuário), sala de atendimento para emergências médicas e banheiros para os permissionários e usuários, tudo condizente com a dignidade humana. Caberá ainda ao poder público de Maceió remover qualquer construção irregular edificada no Mercado da Produção ou no seu entorno, quer seja de alvenaria, de madeira ou doutro material.
As obras também devem obedecer às normas de acessibilidades fixadas na ABNT e em conformidade com o que prevê o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Além disso, deverá observar o tráfego de veículos no entorno deste mercado, com o escopo de melhorar a fluência do trânsito e, ainda, para fins de destinação de número suficiente de vagas de estacionamento aos usuários e os permissionários, conforme prescreve o Código de Urbanismo e Edificações de Maceió
A maquinaria também passará por reestruturação. Na ação, o MPE/AL pede a promoção do aumento de número e a reforma ou substituição das câmaras frigoríficas do Mercado da Produção, bem como a entrega de boxes com balcões ou expositores refrigerados e fechados, para fins de comercialização de carnes bovina, suína, caprina, ovina, de aves, de peixes e doutros que reclamem tal necessidade.
Pede-se ainda que tais ambientes sejam providos de lavatórios em perfeito estado de funcionamento e, com bancadas que se prestem à comercialização dos respectivos produtos. O Município de Maceió também deverá estabelecer zonas de comércio dentro do Mercado da Produção de acordo com o tipo de atividade, para fins de minorar a possibilidade de eventuais contaminações.
Preservação ambiental
Para preservação do meio ambiente, o Município deverá destinar áreas distintas de coletas seletivas dos resíduos produzidos no Mercado da Produção e no seu entorno, sobretudo, para o descarte de lixo que podem gerar degradação ambiental.
Antes da sua entrega à população maceioense, o poder público promoverá uma limpeza, dedetização e desinfetação, inclusive da área no seu entorno, com promoção regular de limpeza diária e a manutenção e conservação periódica do prédio.
No local, deverá haver fiscalização rigorosa dos estabelecimentos que passarão a funcionar no Mercado da Produção e no seu entorno, bem como dos ambulantes autorizados para laborarem nessa área, em face da legislação sanitária e doutras decorrentes da atividade comercial desenvolvida pelos permissionários e outros. Os permissionários deverão ser fiscalizados quanto ao Atestado de Saúde Ocupacional, instituindo, inclusive, o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional.
Por fim, o MPE/AL pede que o Município seja obrigado a construir um posto de atendimento ao consumidor (ouvidoria do Mercado da Produção) e posto para a fiscalização sanitária, mantendo equipes nestes durante o funcionamento do citado mercado, para fins de atendimento dos reclames da população.