Ao final da 5ª edição do Projeto Justiça com Paz em Casa, promovida na semana passada pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com órgãos do Ministério Público e da Defensoria Pública, a 38ª Promotoria de Justiça da Capital (Combate e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) fez um balanço da atividade. Para o órgão ministerial, é possível aumentar a eficiência do trabalho coletivo em prol da população a partir de medidas que envolvem a construção democrática e antecipada do próximo evento, sem deixar de lado políticas de prevenção e capacitação de pessoal.
Ao longo de cinco dias, os juízes, promotores e defensores esgotaram, ao todo, 100 processos, dos quais 18 foram sentenciados, 10 conclusos, 16 destinados às alegações finais e 13 encaminhados aos órgãos competentes para atender pedidos de diligências. No entanto, houve redesignação de 43 audiências por motivos diversos, tais como ausência dos réus ou testemunhas intimadas, falta de intimação das partes e testemunhas e cumprimento das diligências requeridas pelo Ministério Público e defesa.
Sob a coordenação da titular da 38ª Promotoria de Justiça da Capital, Maria José Alves, o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL) esteve representado pelas promotoras Amélia Adriana Campelo, Sandra Malta Prata e Eloá de Carvalho Melo. Na avaliação do órgão ministerial, o evento contribui com o combate à violência doméstica por dar atenção à causa, mas ainda está muito aquém do necessário para resolver as dificuldades do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, que acumula 12 mil processos judiciais.
“O lado positivo do mutirão está justamente na tentativa de resolver conflitos que envolvem 100 vítimas e 100 agressores. Em termos de visibilidade, é inegável o ganho midiático que iniciativas como esta oferece à luta contra a violência doméstica. O mutirão, por si só, serve de alerta para toda a sociedade durante os dias de sua realização. No entanto, ele passa, e os problemas de estrutura na rede de atendimento às vítimas e os problemas permanecem, tais como a falta de estrutura na rede de atendimento, a carência de implantação e ou implementação das políticas públicas, questões que se arrastam, parecendo insolúveis”, problematizou Maria José Alves.
Para as promotoras de Justiça Amélia Campelo e Eloá de Carvalho, a iniciativa dos mutirões é sempre válida porque tenciona viabilizar a comunhão de esforços dos órgãos envolvidos, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública na solução dos conflitos que ocorrem no ambiente familiar.
“Registre-se que não se trata apenas de diminuir o número de processos, mas de trocar experiências no sentido de perceber o que pode ser feito no âmbito das atribuições de cada órgão para garantir um processo penal justo e célere”, disseram.
Organização centralizada
Segundo a promotora de Justiça Maria José Alves, a centralização da organização do mutirão representa um dos principais obstáculos, senão o maior, para a melhoria dos resultados. Segundo a titular da 38ª Promotoria de Justiça da Capital, o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Defensoria Pública deveriam planejar a realização do evento de forma conjunta.
“A organização pode ser avaliada sob dois ângulos: o primeiro diz respeito à falta de integração, interação entre as três instituições. O Tribunal de Justiça, como de hábito, tão somente comunica o período da realização e requer a designação de promotores e defensores. Ora, em algumas unidades da federação sentam-se à mesa todos os interessados para discutir a respeito, inclusive, a seleção dos feitos”, disse ela, destacando o fato de 43 das 100 audiências terem deixado de acontecer por razões “absolutamente” contornáveis pelo Poder Judiciário.
As promotoras de Justiça Amélia Campelo e Eloá de Carvalho defendem a implementação de um modelo de seleção de processos a serem pautados para audiências, a fim de que seja evitada a prescrição em casos com denúncia já ofertada pelo Ministério Público, notadamente nos crimes de ameaça. Para elas, uma maior eficiência no resultado dos mutirões depende de um planejamento prévio que priorize e selecione com antecedência a preparação dos processos para realização das audiências.
“A maior dificuldade encontrada nos dias do mutirão foi a impossibilidade de realização de audiências em razão da não intimação de vítimas, testemunhas e agressores. Presentes magistrados, promotores de Justiças e defensores públicos e ausentes muitas das partes. A eficiência na realização das audiências ficou comprometida, porque faltou pessoal suficiente para cumprir os mandados de citação e intimação. Seria necessária a designação prévia de mais oficiais de justiça no mês anterior ao mutirão para cumprimento eficaz dos mais de 400 mandados expedidos”, explicaram.
De acordo com titular da 38ª Promotoria de Justiça da Capital, a própria Procuradoria Geral de Justiça, que sofre com a carência de pessoal, passa a ter dificuldade para designar promotores de Justiça ao mutirão em virtude do curto intervalo de tempo entre a solicitação do Poder Judiciário e o prazo para resposta. O problema se agrava em ano de eleições, quando muitos membros acumulam funções no Ministério Público Estadual e no Ministério Público Eleitoral.
“O período escolhido também não foi bom. Estávamos as voltas com os registros de candidatura. O eleitoral em ano de eleição é prioridade. E o calendário deve e precisa ser rigorosamente observado”, disse a promotora de Justiça Sandra Malta.
Prevenção e capacitação
A promotora de Justiça Maria José Alves entende que o poder público deve trabalhar em ações de prevenção para diminuir a reincidência das situações de conflito, uma vez que se tratam de circunstâncias específicas, como a presença de álcool e drogas nos momentos que antecedem a agressão.
“É preciso punir e deve ser punido quem violou a lei, quem agiu com violência. Mas combater todo e qualquer tipo de violência exige que seja trabalhado também o eixo da prevenção, ainda mais quando a violência ocorre dentro de casa, quando o agressor é parte integrante do núcleo familiar ou quando entre o agressor e a vítima existem ou existiram laços afetivos. Assim, para a diminuição dos índices alarmantes e redução de reincidências, é vital voltarmos os nossos olhares para o eixo da prevenção”, disse Maria José Alves.
Para ela, é comum despertar para o problema da violência doméstica diante de tragédias ou em datas alusivas à mulher, contudo o conflito ocorre no cotidiano e exige uma vigilância permanente. “Nós temos o número do que já aconteceu. E o que a Justiça faz para evitar a ocorrência de novos crimes contra a mulher? A ausência do Estado se agrava com a carência de políticas públicas sociais nos locais de maior incidência de violência doméstica. Só é possível trabalhar o eixo da prevenção se tivermos um diagnóstico real, isto é, qual o perfil do agressor, da vítima, quais as circunstâncias, quais os fatores que contribuem para tão elevado número de casos”, destacou.
Em pleno aniversário de 10 anos da Lei Maria da Penha, a promotora de Justiça lamentou que as dificuldades na instrução processual tenham início ainda no inquérito policial, que, em vários casos, não atendem aos dispositivos contidos no artigo 12 da legislação em destaque. Segundo ela, dos procedimentos que chegam até a 38ª Promotoria de Justiça da Capital, mais da metade carece de informações essenciais, impedindo a formação da opinio delictis, ato personalíssimo do representante do Ministério Público.
“Já houve caso em que o agressor deixou de ser ouvido porque estava bêbado ou entorpecido por alguma droga. Até aí, entende-se a postura do delegado de plantão. No entanto, caberia à autoridade policial da Delegacia Especializada realizar a oitiva não apenas da vítima, como também do agressor e das testemunhas, antes de remeter o relatório da investigação à Promotoria de Justiça. Na verdade, o que temos, infelizmente em números bem expressivos, são autos de infração com a capa de inquéritos”, explica.
Prejuízo para as partes
Outro aspecto apontado pela promotora de Justiça está no tardio prosseguimento de feitos, quando as partes, sem a interveniência estatal, já se harmonizaram. Em alguns casos, agressor e vítima conseguiram retomar a relação, passaram a viver outro momento conjugal, construíram novos relacionamentos, e, mesmo assim, são convocados anos depois para audiências tardias, que “reabrem feridas”, constrangendo a todos.
“A justiça tardia não é justiça. Se você quer alcançar a paz e diminuir o conflito, não pode demorar três anos para intimar um agressor das condições impostas pelas medidas protetivas de urgência, ou pior, instruir e julgar um processo decorridos oito anos do fato ocorrido. Para quem está no relacionamento, ser convocado para uma audiência, depois de tanto tempo do conflito, além de não resolver o problema original, faz com que as partes revivam algo já superado. E o mais trágico ainda: muitas vezes a mulher leva anos para superar ou tentar superar o trauma da violência sofrida, e o que fazemos? Nós a revitimizamos”, explicou Maria José Alves.
O procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, lamentou a tramitação morosa dos processos e o “grande e inconcebível” número de decisões de extinção de punibilidade dos acusados em razão de prescrição, circunstâncias que violam o espírito da Lei Maria da Penha e aumentam a sensação de impunidade em Alagoas.
Idealizada pela ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, a Semana da Justiça pela Paz em Casa é promovida pelo Poder Judiciário de cada estado que, durante uma ou duas semanas, concentra seus esforços visando acelerar os julgamentos de violência doméstica e familiar contra as mulheres com base na Lei Maria da Penha.