Chegou ao fim nesta sexta-feira, (8), o I Seminário Alagoano de Enfrentamento à Violência de Gênero – Reflexões, desafios e experiências nos oito anos da Lei Maria da Penha, que foi realizado na Escola de Magistratura de Alagoas (Esmal). O evento é resultado da parceria do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL), Tribunal de Justiça (TJ), Defensoria Pública e Secretaria de Estado da Mulher, Cidadania e Direitos Humanos de Alagoas.
O seminário, que foi promovido, especialmente, em alusão ao 8º ano de aniversário da Lei 11.340/2006, que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, teve por objetivo capacitar profissionais e estudantes para a difusão de informações atinentes ao surgimento, aplicação da Lei 11.340/2006 e questões adjacentes. Além de favorecer o diálogo entre os profissionais que compõem a rede de enfrentamento, sensibilizando-os para a importância da articulação das instituições envolvidas no combate a violência e, promover a troca de experiências sobre estratégias atualmente apresentadas na implementação da Lei Maria da Penha.
O procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, focou no seu discurso a necessidade de todas as instituições se manterem unidas para resolver a problemática que norteia o tema alvo do Seminário. “Nós, que fazemos o Ministério Público Estadual de Alagoas, estamos empenhados em dar efetividade à Lei Maria da Penha. A efetividade não é uma quimera, não é um sonho, nós podemos concretizá-lo se estivermos juntos, todos, Estado, Justiça e os profissionais que atuam anonimamente, mas que possuem um valor extraordinário. As medidas proibitivas devem ser eficazes para conter a violência e servir de desestímulo para eventuais infratores e para que a lei não seja um faz de conta”, defendeu ele.
Reforçando a importância da efetividade da Lei, o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas e diretor-geral da Esmal, desembargador José Carlos Malta Marques, discorreu sobre a importância das medidas proibitivas. “Tal norma só vai chegar ao estágio desejado com o declínio das estatísticas, pois hoje elas continuam ascendentes e isso tem preocupados a todos nós, vamos estudar e trabalhar juntos para diagnosticar o que precisa ser feito para melhorar essa situação”, disse o magistrado.
Para a secretária estadual da Secretaria da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos, Nadja Lessa, a Lei Maria da Penha é um modelo para o mundo. “A ONU reconheceu a importância da Lei Maria da Penha como referência mundial. A legislação demonstra que o Estado deve garantir a defesa da mulher nos espaços públicos e privados. O número de crimes cometidos contra a mulher é crescente, por isso, precisamos agir para evitar as agressões e mortes do sexo feminino, desenvolvendo políticas públicas eficazes, voltadas também para as escolas e locais de trabalho”, argumentou a gestora.
O defensor público geral do Estado de Alagoas, Daniel Alcoforado Costa, defendeu que cada instituição deve ver a melhor forma de intensificar o seu trabalho em prol da causa. “Precisamos traçar estratégias e políticas públicas que venham modificar a realidade existente hoje, pois mesmo com oito anos da Lei Maria da Penha, os casos de violência contra a mulher crescem constantemente’, lamentou ele.
Contribuições teóricas
Após os pronunciamentos, houve a primeira mesa redonda do evento sobre a “Violência contra a mulher e gênero: Contribuições teóricas para o debate político e social”, que foi mediada pela presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, Eulina Neta.
Compondo a mesa temática, a coordenadora de Tutoria de Pós-graduação da Universidade Federal de Alagoas no curso Gênero e Diversidade na escola, Aimará Aravena Gallo, ministrou a palestra “Homem: Violento pela própria natureza”, levantando uma série de questionamentos.
“Por que, em sua maioria, são as mulheres as agredidas por seus parceiros afetivos? Os homens nascem naturalmente mais violentos que as mulheres? Por que, na sua maioria, as mulheres não se matam entre si e não matam os homens? Por que os homens, muitas vezes, matam-se e matam as mulheres? A violência contra a mulher é a expressão máxima das desigualdades de gênero; é um crime que afeta a dignidade humana e os direitos humanos; afeta uma grande parcela da população feminina de todas as classes sociais; afeta toda a estrutura psíquica, familiar e social da mulher. É um grave problema de saúde pública. Precisamos fazer a ruptura da masculinidade tradicional; superar o desejo de propriedade e domínio sobre o outro”, argumentou a coordenadora.
Dando continuidade, a pós-doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo e pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp, Wânia Pasinato, tratou sobre a temática “Nomear para reconhecer: a violência contra as mulheres na perspectiva de gênero”.
Fazendo um retrocesso histórico, Wânia Pasinato falou sobre a construção da violência contra as mulheres como problema social e político no Brasil.
“Falar sobre a violência contra a mulher remete ao final dos anos 1970 e início dos anos 80, quando esse problema começa a se definir a partir de um duplo processo de construção, como os problemas político e social e o problema sociológico. Esse processo se realizou de forma simultânea como resultado de uma mescla entre o discurso feminista, com base nas teorias do patriarcado, e a prática militante de denúncias e de atendimento de mulheres vítimas de violência em organizações como os SOS-Mulher que foram sendo criados pelos grupos feministas no país”, explicou a pós-doutora.
O papel da Defensoria Pública
Militante feminista antes de ser operadora do Direito, a defensora pública do Estado de São Paulo, Juliana Garcia Belloque, participou do consórcio de Organizações Não-Governamentais que trabalhou na elaboração e aprovação da Lei Maria da Penha. Em sua palestra, ela falou sobre a importância e finalidade das medidas protetivas da legislação que protege a mulher.
“Na condição de defensora do réu, ouso destacar que precisamos de mais medidas concentradas no apoio integral à vítima, ou seja, que elas prossigam mesmo independente da aplicação da penalidade ao agressor. Entendo como sucesso da Lei Maria da Penha um número de mulheres seguras, e não de mais homens presos. Afinal sem uma assistência do poder público, a mulher pode sim voltar a ser daquele que a agrediu ou de outros agressores”, disse.
A atuação dos operadores de direito
A promotora de Justiça, Maria José Alves da Silva mediou a mesa redonda “A atuação dos operadores de direito na Aplicação da Lei Maria da Penha”. Ela agradeceu a participação do público formado por estudantes e profissionais, principalmente aos acadêmicos que, em breve, serão os responsáveis pelo exercício e defesa do Direito da Mulher no estado e no país.
“O evento representa um incentivo para mudar essa realidade, transformar a sociedade e implantar uma cultura de paz. Espero que, num futuro próximo, não tenhamos mais de realizar seminários para discutir o enfrentamento à violência de gênero”, destaca a promotora, que integra o Grupo Nacional de Direitos Humanos da Comissão Permanente de Combate e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (GNDH/COPEVID).
A juíza de Direito Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos lembrou que a Lei Maria da Penha é considerada uma das três melhores do mundo pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas. “Antes de 2006, quando a lei foi criada, a sociedade não se preocupava com a violência contra a mulher. É preciso mudar a nossa cultura de opressão de gênero, sem a qual será impossível de alcançar o principal objetivo da legislação, que é prevenir e erradicar este crime”, disse.
Em recente pesquisa do DataSenado, foi apontado que mulheres jovens, com Ensino Superior e com alta renda são as que mais se sentem protegidas pela Lei Maria da Penha. “É muito difícil convencer uma mulher que depende dom marido a largá-lo sem ter como sustentar a si mesma e seus filhos. Por isso, a educação ganha um papel fundamental para o esclarecimento e inclusão social da parcela feminina da população”, explica a magistrada.
Projetos difundem lei no Piauí
Na mesma mesa, também esteve presente o Ministério Público do Estado do Piauí, representado pelo promotor Francisco de Jesus Lima e a psicóloga Cynara Maria Cardoso Veras Alves, que integram o Núcleo das Promotorias de Justiça em Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar do órgão piauiense.
A dupla apresentarou os diversos projetos que desenvolvem na capital e municípios do interior do estado, como a Lei Maria da Penha e Mobilidade Urbana, a Interiorização da Lei Maria da Penha, o Laboratório Lei Maria da Penha, o Spot-Sarah Menezes, o Projeto Neylívia e a Lei Maria da Penha nas Escolas, sendo este uma iniciativa multidisciplinar em contato direto com os estudantes.
“Só em Teresina são oito mil processos para darmos andamento de violência de gênero no seio da família. É muito? É. Mas prefiro uma quantidade de processos ainda maior se isso significar que mais mulheres estão saindo do armário para denunciar seus opressores. E para que elas façam isso não basta a atuação do Ministério Públicos e de outras instituições. A participação coletiva da sociedade permitirá que as mulheres se sintam fortalecidas”, ressalta o promotor Francisco de Jesus.