O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) resolveu processar os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL) Isnaldo Bulhões Barros e Luiz Eustáquio Toledo por envolvimento na “Operação Rodoleiros”, desencadeada pela Polícia Federal. Em 2013, o órgão ministerial já havia ajuizado ação civil pública de responsabilidade por atos de improbidade administrativa contra oito pessoas, dentre servidores do TCE/AL e funcionários do Banco Bradesco, pelo desvio de recursos na Corte de Contas. Porém, após investigações complementares, o Ministério Público descobriu a participação dos conselheiros no esquema e fez um aditamento à petição protocolada há 4 anos. O prejuízo causado ao erário foi de cerca de R$ 100 milhões.
No início da peça processual, o MPE/AL relembra que a primeira ação teve origem no Procedimento Administrativo nº 002/2012, instaurado para apurar supostas ilegalidades no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, a partir dos fatos decorrentes do inquérito conduzido pela Polícia Federal em Alagoas, que resultou na denominada “Operação Rodoleiros”.
Todos os réus da ação nº 0727545-19.2013.8.02.0001, Dêvis Portela de Melo Filho, José Barbosa Pereira, Sérgio Timóteo Gomes de Barros, Banco Bradesco S/A, José Alberto do Nascimento, Fernando Jorge Prado Lima, Marcos Antônio Barbosa e Silva e Kleber Calheiros Loureiro, foram acusados de apropriação de parte dos recursos orçamentários do TCE/AL destinados ao pagamento da folha de pessoal, inclusive com alocação de numerário superior ao percentual estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para esse tipo de despesa; apropriação dos salários de servidores comissionados, por intermédio de depósitos de cheques administrativos com endossos falsos ou inexistentes, à margem da observância das normas que disciplinam as atividades bancárias; inserção de dados falsos nas Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte – DIRFs do Tribunal, com a inclusão de servidores “fantasmas” e a adulteração dos valores retidos a título de imposto de renda, cujos percentuais de desconto foram capciosamente majorados para possibilitar aumento indevido do montante de restituição do IRPF, em seguida apropriado pelos fraudadores; e de fazer processos intricados e engenhosos de lavagem de recursos obtidos pelos ilícitos ardis acima descritos, mediante a aquisição de imóveis de luxo, automóveis, empresas e cavalos quarto de milha de elevado padrão de mercado.
A participação dos conselheiros
No aditamento a ação por ato de improbidade, o procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, e a promotora de Justiça Cecília Carnaúba, alegaram que o conselheiro Isnaldo Bulhões Barros tem envolvimento no esquema criminoso porque foi ele quem nomeou Dêvis Portela de Melo Filho e José Barbosa Pereira para as Diretorias Financeira e de Pessoal do TCE/AL, ajudando-os e encobrindo as ações deles como operadores do desvio de recursos da folha de pagamento do Tribunal, numa clara demonstração de violação aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.
Isnaldo Bulhões também é acusado de agir com “omissão indevida da prática de ato de ofício, consistente no dever de fiscalizar aqueles que nomeou em cargo de confiança, atraindo as prescrições do artigo inciso II e do caput do artigo 11 da Lei Nacional nº 8.429/92, consistente na violação dos princípios da legalidade, da honestidade e da lealdade às instituições e zelo pelo patrimônio social”.
O MPE/AL argumentou ainda que o conselheiro permitiu a atuação de Dêvis e José Barbosa com a finalidade de enriquecimento ilegal, o que o fez incidir na hipótese do inciso XII do artigo 10 da Lei Nacional nº 8.429/92, cujo ato de improbidade consiste em “permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente”. Por último, o Ministério Público sentenciou que o ex-presidente da Corte de Contas praticou condutas omissivas: “É assim porque, na condição de presidente do TCE-AL à época dos fatos, tinha o dever funcional de atuar como instância fiscalizatória para garantia da legalidade e proteção ao erário, especialmente em relação aos escolhidos para os cargos de sua confiança”.
Também pesam acusações contra o conselheiro Luiz Eustáquio Toledo, dentre elas, ter recebido recursos não declarados à Receita Federal incompatíveis com sua renda enquanto agente público, o que o enquadrou no inciso X do artigo 9º da Lei Nacional nº 8.429/92. A referida norma jurídica considera ato de improbidade “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”.
Toledo é ainda acusado de se apropriar ilicitamente de recursos oriundos do duodécimo do TCE/AL e, por esse motivo, o aditamento à ação argumenta que ele novamente infringiu a Lei Nacional nº 8.429/92. “O cabedal de condutas do referido agente público violou os princípios da legalidade e da moralidade, o que configura a previsão do artigo 11 da Lei nº 8.429/92”, alega o Ministério Público.
O aditamento à petição inicial ainda traz acusação contra Kleyner Robson Duarte Barbosa e a Top Fitness Academia Ltda. Ele é sócio da empresa e, segundo o MPE/AL, auferiu parte dos lucros ilicitamente por meio dos recursos desviados do duodécimo do Tribunal de Contas. “Na condição de sócio da pessoa jurídica Top Fitness Academia Ltda. tomou parte em seus atos de gestão com o propósito de transformar a empresa em escoadouro dos recursos ilicitamente obtidos do TCE/AL, tendo agido de modo a permitir que os demais sócios da empresa se locupletassem às custas do erário”, revelou um trecho da ação.
O esquema
De acordo com as investigações, o ponto de partida para o entendimento do esquema esteve na análise dos recursos orçamentários do TCE/AL destinados a pagamento de seu quadro de pessoal, uma vez que o desvio de verba começava na folha salarial dos servidores. “As posições privilegiadas dos ora denunciados na ocupação de cargos estratégicos do Tribunal de Contas e do Banco Bradesco lhes permitiram manipular a seu alvedrio os recursos destinados ao pagamento do quadro de funcionários, daí a razão fundante para que o empreendimento se iniciasse a partir da conspurcação da folha de pessoal”, explicou o Ministério Público.
“Nessa perspectiva, a folha de pagamento servia de abominável repositório de fraudes, consistentes na inserção de funcionários fantasmas, remunerações acima da previsão pecuniária correspondente ao cargo ou função e empréstimos consignados fraudulentos. E forjada a folha de pagamento, várias eram as maneiras utilizadas para apropriar-se de seus recursos. Por meio de uma delas, os operadores do esquema se utilizavam dos dados pessoais de ‘laranjas’ e mesmo de pessoas já falecidas para contrair empréstimos em consignação, cujos valores eram embolsados pelos próprios operadores, mas as parcelas eram pagas com recursos desviados da folha de pessoal”, detalhou o MPE/AL.
“A outra maneira mais objetiva consistia no uso de cheques administrativos para saques em espécie dos recursos orçamentários destinados à remuneração dos servidores da Corte de Contas. Tais saques eram efetuados por meio de cheques assinados e endossados pelos titulares das Diretorias Financeira e de Pessoal – respectivamente, os senhores Dêvis Portela e José Barbosa Pereira, que assinalavam nos referidos cheques as justificativas de ‘pagamento de prestadores de serviços’, ‘complemento de folha’ e ‘cargos comissionados’, revelou o órgão ministerial.
E as fraudes não pararam por aí. Quando da “Operação Rodoleiro”, a Polícia Federal solicitou à Receita Federal uma análise minuciosa das declarações de Imposto de Renda retido na fonte – DIRFs do TCE/AL e descobriu mais ilegalidades, a exemplo de pessoas mortas ou que nunca possuíram nenhum vínculo com o Tribunal apresentando a declaração à RF.
Os pedidos feitos pelo Ministério Público
Diante das provas que instruem as duas peças processuais – a inicial e o aditamento – e do receio que os réus adotem condutas direcionadas ao extravio, ocultamento e dilapidação de seu patrimônio, o que poderia frustrar dolosamente o resultado do julgamento, o Ministério Público formulou vários pedidos ao Poder Judiciário. Foi requerida a indisponibilidade dos bens e a quebra dos sigilos bancários e fiscais de todos os acusados e o afastamento cautelar de deles dos cargos públicos ou mandatos eletivos que ora ocupem – Dêvis Portela de Melo Filho e José Barbosa Pereira, em relação aos cargos que exercem no Tribunal de Contas, e o Isnaldo Bulhões Barros, em relação ao cargo de prefeito do Município de Santana do Ipanema.
O MPE/AL também pediu para que os acusados não mais recebam recursos públicos e que todos sejam proibidos de contratar com o Poder Público. E, por fim, o Ministério Público requereu que “sejam condenados, todos os réus, ao ressarcimento do erário estadual, no valor de, pelo menos, R$ 99.391.000,00 (noventa e nove milhões e trezentos e noventa e um mil reais), acrescidos das demais quantias que serão apuradas no curso deste processo, em razão dos danos causados pelos atos descritos nesta peça inicial, além de juros, inclusive os moratórios, em proporção a ser fixada pelo Juízo”.