Um prejuízo de R$ 9 milhões, contratos forjados para desviar recursos públicos, uso de laranjas para justificar pagamentos ilegais, intimidação ao Judiciário, tentativa de obstruir a Justiça. Tudo isso consta na ação civil principal de responsabilidade por atos de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL), nessa segunda-feira (29), contra o prefeito afastado de Canapi, Celso Luiz, e outras nove pessoas, inclusive a mãe dele. Nessa nova ação, o MPE/AL volta a pedir a condenação de todos os demandados pela prática de diversos atos de improbidade administrativa e, consequentemente, o ressarcimento integral do dano causado aquele Município.
Nesta ação proposta figuram como réus, além de Celso Luiz Tenório Brandão, a mãe do gestor afastado, Rita Tenório Brandão, ex-secretária municipal de Assistência Social; Carlos Alberto dos Anjos Silva, secretário municipal de Finanças; Jorge Valença Alves Neto, secretário municipal de Assuntos Estratégicos; Chaplin Iachdneh Varejão Pascoal R. de Oliveira, chefe da Divisão de Execução Orçamentária; Francisco Barbosa da Silva, controlador Interno da Prefeitura de Canapi; Orlando Soares Brandão, servidor público municipal; Janaína Tenório Souza de Macedo, ex-secretária municipal de Educação; Erival Abílio da Silva, ex-secretário municipal de Agricultura; e José Vieira de Souza, ex-secretário municipal de Saúde.
Desse grupo ora referido, os últimos cinco nomes surgiram após o afastamento de Celso Luiz, o que ocorreu no dia 28 do mês passado, a pedido do Ministério Público, após a realização da operação “Triângulo das Bermudas” e o ajuizamento de uma ação cautelar. Segundo o MPE/AL, “Os cinco últimos demandados, refrise-se, contribuíram decisivamente para a concretização dos desvios de recursos levados a efeito, na medida em que prestaram, de forma reiterada e em documentos públicos oficiais, informações ideologicamente falsas, em prejuízo dos cofres da Prefeitura de Canapi e, por conseguinte, de toda a população carente daquele pobre município, que deixou de ser beneficiada com efetivos serviços”, diz um trecho da ação.
Segundo as investigações, o prejuízo causado pela organização criminosa ultrapassa as cifras de R$ 9 milhões e ocorreu por meio de transferências ilegais realizadas para contas de pessoas físicas que jamais prestaram serviços ao Poder Executivo. E o ponto de partida para o início dessa apuração foi uma representação formulada à Promotoria de Justiça de Mata Grande, protocolada em 15 de abril deste ano. Nela, havia denúncias sobre a existência de “práticas ilícitas dentro do município de Canapi, envolvendo malversação de recursos públicos”, garantindo que as irregularidades estariam ocorrendo há três anos e incluíam “transferências on-line injustificadas de recursos das contas da Prefeitura para terceiros beneficiários, a título de DOCs e TEDs”. Havia verba própria do Executivo e também da União.
O esquema
Para ingressar com a ação cautelar no mês passado, que ensejou no afastamento de Celso Luiz do cargo de prefeito, a Promotoria de Justiça de Mata Grande – comarca da qual Canapi faz parte – e o Núcleo de Defesa do Patrimônio Público já tinham conseguido comprovar que os mais de R$ 9 milhões foram desviados num curto espaço de tempo: entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2016. Além disso, o Ministério Público também já sabia que contratos foram forjados para justificar pagamentos a 10 pessoas que teriam, supostamente, alugado tratores e caminhões ao Município. Elas funcionaram como laranjas do bando de Celso Luiz e, parte desse grupo, não sabia que seus nomes estavam envolvidos em atos ilegais.
Dentre essas vítimas esteve Cícero Inácio de Lima, que apareceu como beneficiário de mais de R$ 1,1 milhão. Para receber esse valor, ele teria que ter locado à Prefeitura um trator de esteira, um caminhão Mercedes Benz 710 e outro caminhão Mercedes Benz l1620. No entanto, na segunda fase das investigações, ele foi interrogado e negou ter recebido toda essa quantia. Cícero é vigilante noturno de um posto de combustível em Mata Grande e é uma pessoa manifestamente pobre, moradora de uma casa humilde em um conjunto popular da cidade.
“No dia 18.08.16, o Ministério Público procedeu à oitiva de diversas pessoas no município de Canapi, cujos depoimentos restaram esclarecedores de toda a farsa criminosa montada e levada a efeito, para desvio de dinheiro público. Pôde-se verificar que as pessoas que supostamente teriam celebrado contratos – muitas vezes em valores vultosos – com a Prefeitura de Canapi, na verdade nunca o fizeram. Ficou constatado que se tratava, em 100% dos casos das pessoas ouvidas, de cidadãos extremamente humildes, muitos beneficiários do Programa “Bolsa Família” do Governo Federal, quase todos analfabetos funcionais, que apenas sabiam assinar o nome, mas incapazes de ler uma frase escrita sequer. Perguntados sobre os fatos e circunstâncias que teriam dado ensejo aos contratos supostamente celebrados com a Prefeitura de Canapi ou, ainda, sobre os veículos objeto dos malfadados contratos, responderam de forma constrangedora, que jamais foram proprietários de um veículo sequer, que não sabiam sequer dirigir, muitos possuíam uma simples bicicleta para se locomover. Alegaram, imbuídos de uma “franqueza” que saltou aos olhos dos membros do Ministério Público, que jamais poderiam haver realmente subscrito os referidos contratos, já que os mesmos se revelavam, por óbvio, absolutamente incompatíveis com a situação de extrema pobreza dos inquiridos”, explica um outro parágrafo da ação.
E os depoimentos ainda chamaram atenção por outros motivos, já que os interrogados admitiram que foram procurados por secretários de Celso Luiz e um deles, Jorge Valença, pediu para que alguns assinassem procurações dando a ele, Jorge, plenos poderes para abrir e movimentar contas bancárias. “Algumas circunstâncias similares nos depoimentos colhidos saltam aos olhos: muitos dos interrogados afirmam ter sido procurados pelo então secretário do município Jorge Valença, na gestão do prefeito afastado Celso Luiz, para abrirem contas bancárias. Quando tais contas bancárias pessoais já estivessem abertas (alguns poucos eram, inclusive, servidores públicos municipais), a abordagem de Jorge valença visava a utilização de tais contas bancárias para o recebimento de créditos, cuja origem não sabem precisar. Outros fatos merecem relevo: muitos dos depoentes narram episódios em que teriam se dirigido às suas respectivas agências bancárias acompanhados de algum dos operadores do ‘esquema criminoso’, a fim de operacionalizarem saques bancários em dinheiro, em vultosas quantias, que não sabem precisar, e em relação as quais não obtiveram qualquer vantagem pessoal. No máximo há narrativas, aqui e acolá, que se referem a um ‘saco de feijão’ ou a uma ‘mesada’ de míseros mil reais, concedidos às pessoas utilizadas pelo esquema para viabilizar os desvios milionários”, detalham os promotores autores da ação.
A propriedade dos veículos
Diante da negativa de todas as testemunhas ouvidas, o Ministério Público deu prosseguimento as investigações e conseguiu descobrir de quem eram aqueles veículos que aparecem nos contratos. Eles pertencem a um sobrinho do ex-secretário de Finanças de Canapi. Ou seja, o esquema fez uso das placas daqueles veículos para justificar a existência, de fato, dos tratores e caminhões que aparecem nos contratos como tendo realizado serviços de recuperação de estradas, transportes de pacientes para exames e consultas, viagens intermunicipais e, em maior volume, transporte de água potável para consumo humano.
Apenas para deixar claro, tais veículos jamais foram utilizados em Canapi. Eles existem sim, mas executam trabalhos nas cidades de Junqueiro e Girau do Ponciano.
E para comprovar que o esquema é antigo, o dono dos caminhões é sobrinho de um ex-secretário de Finanças, que inclusive já faleceu. Mesmo após a sua morte, as fraudes continuaram.
A intimidação à Justiça
Diante dos primeiros elementos probatórios colhidos a partir da representação formulada à Promotoria de Mata Grande, o Ministério Público fez a propositura da ação cautelar preparatória de ação civil de responsabilidade por atos de improbidade administrativa em 27 de junho último. Nela, várias medidas cautelares forma requeridas, dentre elas, o afastamento dos acusados dos cargos que ora ocupavam; a indisponibilidade dos bens dos demandados, nos limites dos danos causados ao erário ou do enriquecimento ilícito auferido; e os mecanismos que fossem capaz de permitir ao prefeito em exercício o controle, em caráter precário, a administração da Prefeitura, como modo de evitar novos desvios de dinheiro público. Todas elas foram deferidas pelo Juízo local.
No entanto, o prefeito afastado Celso Luiz tentou impedir o cumprimento de algumas delas. Inicialmente, ele apresentou resistência injustificada em ser intimado da primeira decisão, informação que foi ratificada pela oficiala de justiça. “Celso Luiz ostentou comportamento típico de líder político coronelista, quando se recusou a ser intimado, dirigindo-se à servidora pública acompanhado de 02 (dois) ‘capangas’ e ordenando que a mesma respeitasse aqueles ‘senhores, expressando postura nitidamente intimidatória e resistente ao cumprimento da lei”. Ele chegou a dizer à oficiala que a decisão do juiz estaria errada e, ainda, sugeriu que ela registrasse no mandado que não o havia encontrado.
O prefeito afastado também tentou arguir, por 10 vezes, a suspeição do magistrado que determinou as medidas judiciais em seu desfavor. Não conseguiu, pelo menos por enquanto, já que o Tribunal Justiça indeferiu o primeiro pedido.
Na sequência, Celso Luiz ingressou com uma representação pedindo o afastamento provisório e a cassação de mandato de Hélio Maciel Souza Fernandes e Aluísio Antônio da Silva, os dois vereadores que, coincidentemente, deram posse ao vice-prefeito de Canapi. É importante ressaltar que tal representação foi ajuizada na Câmara Municipal, que, por mais uma coincidência, é presidida por Luciano Malta, seu primo. Ambos foram afastados. E, por fim, o gestor ainda tentou afastar o seu vice, Genaldo Soares Vieira. Este último, inclusive, prestou depoimento ao Ministério Público e relatou as intimidações sofridas pelo grupo do afastado. “Que, depois do afastamento de Celso Luiz pela Justiça, no dia 02 de agosto, uma terça-feira, aconteceu uma reunião na casa do prefeito, no Aldebaran, em Maceió, com a presença dos vereadores Luciano Malta, Arnaldo Barbosa, Agnaldo, Cicinho, Zé de Abdias e o vereador Urso Biano; Que depois ficou sabendo por seu compadre Zé de Abdias que o que aconteceu durante tal reunião foi uma decisão de Celso Luiz de que quem iria assumir a prefeitura seria seu primo, presidente da Câmara, Luciano Malta; Que, durante tal reunião, Zé de Abdias questionou o prefeito sobre o fato de que que deveria ser o vice-prefeito a assumir o Município, tendo ouvido a seguinte afirmação: ‘não, quem tem que assumir é um da gente, pois estamos em época de campanha, e tem que ser o Luciano Malta, que faz o que eu quero e vai bancar a campanha de vocês’; que, ao receber a visita de Zé de Abdias em sua casa para contar sobre o ocorrido, foi dito a ele ‘compadre, o homem é perigoso, tenha cuidado’; Que, no mesmo dia dessa conversa, com Zé de Abdias, foi empossado na porta da Câmara de Vereadores, estando presente os vereadores Zé de Abdias, Te de Zequinha e Aluísio Basílio, e assim foi feito porque a Câmara estava fechada, por ordem de seu presidente, e a oficial de Justiça não encontrou o Luciano Malta para intimá-lo da decisão; Que neste mesmo 03 de agosto, ligou para o presidente Luciano Malta e demais vereadores para resolver a questão da sua posse no cargo de prefeito e que Luciano, quando atendeu a ligação, deu gritos e afirmou: ‘não vou lhe dar posse de jeito nenhum’; Que, como não conseguiu tomar posse real na Prefeitura, já que Luciano Malta, no dia seguinte, durante sessão da Câmara, cassou seu mandato e dois dos vereadores que o empossaram, somente em 17 de agosto é que conseguiu, por nova ordem judicial, assumir o mandato de prefeito em caráter precário”, revelou Genaldo.
Os pedidos do MPE/AL
Nessa ação principal, ajuizada por Cláudio José Moreira Teles, promotor de Justiça de Mata Grande, e José Carlos Castro, Napoleão Amaral Franco, Anderson Cláudio de Almeida Barbosa e Karla Padilha Rebelo Marques, promotores de Justiça do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, o Ministério Público voltou a pedir a condenação de todos os réus por ato de improbidade administrativa e defendeu a manutenção do afastamento de todos eles dos cargos.
Também foi requerido ao Poder Judiciário o ressarcimento integral do dano, à perda da função pública que estejam exercendo no momento em que for prolatada a sentença, a suspensão de seus direitos políticos, a proibição de contratarem com os poderes públicos e de receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente e, por fim, o pagamento de multa civil.