Recebimento de diárias sem a realização de viagens ou a ausência da devida comprovação delas e aquisição de passagens aéreas e hospedagens sem processo licitatório. Essas são as principais acusações que constam na ação por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Estadual de Alagoas contra o prefeito de Viçosa, Flaubert Torres Filho, e Maxwell Carnaúba Passos, secretário municipal de Administração daquele município. O prejuízo aos cofres públicos ultrapassou a soma de R$ 153 mil. E, em face dessas acusações, a juíza Lorena Sotto-Mayor, nesta quarta-feira (06), acatou os pedidos feitos pelo MPE/AL e decretou o afastamento dos dois gestores, além da indisponibilidade dos bens deles.
Pela investigação realizada pelo promotor de Justiça de Viçosa, Anderson Cláudio de Almeida Barbosa, e pelos promotores José Carlos Castro, Napoleão Amaral Franco e Tácito Yuri Barros, ambos do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, o prefeito Flaubert Torres Filho ordenou pagamento de diárias para si próprio na ordem de R$ 76.750,00. Já o secretário Maxwell Carnaúba, recebeu do Município o valor de R$ 12.200,00. Só que o grande problema não está na concessão do benefício e, sim, na forma como ele foi autorizado, haja vista que os dois gestores burlaram a legislação para receber o dinheiro.
A apuração sobre a prática do ato de improbidade administrativa teve início com o Procedimento Preparatório de Investigação nº 004/2014, que levou em consideração a representação encaminhada pela então presidência da Câmara de Vereadores de Viçosa. O documento noticiava possíveis irregularidades nas concessões de diárias realizadas pela Prefeitura. A partir daí foram requisitados documentos e houve a oitiva de servidores públicos e de testemunhas. Foi ainda realizada auditoria pelo Departamento de Auditoria da Procuradoria-Geral de Justiça, com base na documentação acostada.
Após analisar todo o material probatório, constatou-se que houve pagamento irregular para as viagens que deveriam ter sido realizadas para as cidades de Maceió (AL), Brasília (DF), Recife (PE), Fortaleza (CE), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Arapiraca (AL), Palmeira dos Índios (AL), Cajueiro (AL), Marechal Deodoro (AL), Delmiro Gouveia (AL) e Atalaia (AL).
170 diárias em 259 dias úteis
Causou estranheza ao Ministério Público a quantidade de diárias pagas a Flaubert Tores Filho. Somente em 2014, ele recebeu 170 diárias. “Considerando que no ano de 2014 tivemos 259 dias úteis, é possível concluir, em rápida aritmética, que o prefeito teria permanecido em sua cidade em 89 dias úteis. Ou seja, em todo ano, teria comparecido no local de trabalho em apenas 35% dos dias, ficando 65% dos dias úteis em atividades fora do Município”, argumentaram os promotores de Justiça.
Tantas diárias assim chegaram ao montante de R$ 76.750,00, valor que foi confirmado após análise das informações encaminhadas pela empresa de contabilidade Tavares & Souza, contratada pelo Município para cuidar do setor contábil da Prefeitura.
A Prefeitura, após ser intimada para comprovar tais viagens, apenas enviou ao MPE/AL documentos relativos ao pagamento de 119 diárias, o que equivaleria a R$ 54.250,00. Então, apenas levando em consideração os dados fornecidos pela gestão – que não condizem com a quantidade exata de diárias pagas – Flaubert Torres teria recebido 73 diárias para fora do Estado, o que significaria dizer que ele teria ficado 61% do tempo em viagens interestaduais.
Num comparativo com outros prefeitos, especialmente de cidades maiores, a diferença da quantidade de diárias pagas é exorbitante. O prefeito de Maceió, Rui Palmeira recebeu em 2014 apenas R$ 5,8 mil. Célia Rocha, de Arapiraca, R$ 22 mil.
“Tudo aponta que o prefeito, indevidamente, acresceu à sua renda mensal uma quantia significativa em diárias, estabelecendo uma forma de simular uma remuneração, criando um salário paralelo, vez que o mesmo percebeu mensalmente, em média, R$ 6.395,83 (seis mil, trezentos e noventa e cinco reais e oitenta e três centavos), somente a título de diárias, elevando a quase o dobro de seu salário líquido médio de R$ 7.000,00 (sete mil reais), porquanto todas essas diárias acarretaram em processos de pagamento nos quais não se apresentou nenhum comprovante da viagem ou da hospedagem”, denunciou o Ministério Público.
Farra de falsas viagens
Por meio da investigação também foi possível obter mais uma relevante constatação de ato de improbidade. O Prefeito Flaubert Torres Filho recebeu diárias para viagens que não realizou. Foi o que se pôde verificar através de simples pesquisas nos noticiários, bem como no seu perfil pessoal e no da Prefeitura de Viçosa, na rede social Facebook.
Na portaria nº 0513/2014, por exemplo, foi autorizado o pagamento de três diárias, perfazendo um total de R$ 1,5 mil, para deslocamento de Flaubert Tores Filho à cidade de São Paulo, entre os dias 26 e 28 de fevereiro, e a justificativa apresentada foi rasa: “resolver assuntos de interesse do Município de Viçosa”. Porém, o prefeito sequer saiu da região onde reside naquele período. Em sua página numa rede social, ele fez uma postagem, no dia 27, onde comentou que esteve resolvendo problemas da agremiação futebolística Comercial de Viçosa. E, ainda no mesmo dia, ele estava a se divertir em festas de carnaval promovidas pelas escolas municipais.
Já na portaria nº 1.243/2014, houve a concessão de quatro diárias para viagem a Brasília, supostamente para os dias 20, 21, 22 e 23 de maio, no valor de R$ 2 mil, sob a justificativa de “tratar de assuntos referentes ao desenvolvimento do Município de Viçosa”. No entanto, no sítio eletrônico da Prefeitura de Viçosa e no Facebook, nos dias 20 e 21 daquele mesmo mês, matérias mostraram que Flaubert Torres Filho estava na cidade participando das solenidades de inauguração da Academia de Saúde de Viçosa e da assinatura de ordem de serviço para a construção do Matadouro do município.
Em mais uma portaria ilegal, a de nº 2.450/2014, mais quatro diárias, num toral de R$ 2 mil, foram pagas ao chefe do Poder Executivo. O período seria entre os dias 14 e 17 de outubro e a viagem, para Recife, mais uma vez para “tratar de assuntos referentes ao Município de Viçosa”. Porém, no período correspondente às diárias percebidas, Flaubert Torres Filho permaneceu na cidade Viçosa, e compareceu à rádio Princesa das Matas, em atividade exclusivamente política, acompanhando o candidato eleito Bruno Toledo, conforme consta em seu perfil no Facebook.
Diárias liberadas ao mesmo tempo para cidades diferentes
E as irregularidades não param por aí. As investigações comprovaram também que, além de receber a indenização por viagens que não foram realizadas, o prefeito Flaubert Torres Filho foi agraciado com duplicidades de diárias, já que foram feitos pedidos, ao mesmo tempo, para viagens que supostamente aconteceriam para duas cidades de uma só vez.
Num das fraudes comprovadas, diárias foram liberadas para viagem ao Recife entre os dias 24 e 26 de fevereiro do ano passado, no valor de R$ 1,5 mil. Entretanto, também para o dia 26, foi paga diária para Brasília, que incluiu ainda os dias 27 e 28 do mesmo mês, somando R$ 1,4 mil.
E para agravar ainda mais a situação, para a mesma viagem a Recife, além do empenho que liberou R$ 1,5 mil, outro segundo empenho, permitiu o pagamento de mais duas diárias a Flaubert, também para os dias 24 e 25 de fevereiro do ano passado. Ou seja, houve duplicidade de pagamento de diárias para destino igual e no mesmo período.
Passagens aéreas e hospedagens
Os promotores também detectaram que houve aquisição de passagens aéreas e hospedagens, no montante de R$ 42.755,33, no decorrer do ano de 2014, sem a realização do devido certame licitatório.
Além disso, como o prefeito já tivera a liberação das diárias, ele não poderia ter despesas com voos e hotel pagas pelo Município. Inclusive, o Decreto Municipal nº 791/2013, que regula a concessão de diárias na administração pública municipal, diz que a sua liberação é feita a título de indenização da “despesa de alimentação, hospedagem, locomoção e locomoção urbana”.
Os pedidos
A pedido do MPE/AL, a juíza da comarca de Viçosa, Lorena Sotto-Maior, determinou, por meio de liminar, o afastamento do prefeito e do secretário municipal, enquanto durar a instrução do processo. Ela também tornou indisponíveis os bens de ambos.
O Ministério Público também requereu que, ao final da ação, os dois acusados sejam condenados a ressarcir os danos patrimonias causados à administração municipal de Viçosa, no valor de R$ 195.935,33, com a devida correção monetária.
Ainda em relação aos atos praticados, o prefeito e o secretário deverão ser obrigados a perder bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, no montante de R$ 76.750,00, no caso de Flaubert Torres Filho, e R$ 12.200,00, para Maxwell Passos.
Conforme a Lei nº 8.429/92, eles também podem ser condenados à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.