O Ministério Público Estadual de Alagoas ajuizou mais uma ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, contra a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas. Dessa vez, a motivação foi a falta de transparência da Casa de Tavares Bastos com os gastos dos recursos oriundos do seu orçamento. O Poder está sendo acusado de não dar publicidade em seu sítio eletrônico das despesas efetuadas, ou, fazê-la de forma incompleta e defasada, em quantidade escassa, o que dificulta a fiscalização por parte dos órgãos de controle e da própria sociedade civil organizada.
“A presente demanda tem por objetivo obter provimento jurisdicional no sentido de determinar-se ao Poder Legislativo o cumprimento da Constituição Federal e da legislação específica no que tange à efetivação da política de transparência da Administração Pública, especificamente através da implantação, alimentação contínua e gerenciamento técnico de “Portal da Transparência” no âmbito da internet, e a criação do serviço de acesso à informação, a fim de possibilitar à população o amplo acesso a informações e dados do Poder, com base nas disposições da Lei Complementar n.º 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), com as alterações da Lei Complementar n.º 131/2009, bem como na Lei n.º 12.527/2011 (Lei do Acesso à Informação)”, revela um trecho da ACP.
De acordo com o Ministério Público, desde o início das investigações que apuram ilicitudes cometidas pela Assembleia, já foi possível constatar, até o momento, a ocorrência de diversas irregularidades, a exemplo de ausência de prestação de contas, pagamentos irregulares a servidores, desvio da finalidade dos atos administrativos, falta de licitações, não recolhimento de impostos e contribuições e descumprimento dos limites de gastos com pessoal e, tudo isso, acaba sendo motivado por conta da ausência de transparência nos gastos públicos.
“O que se percebeu é que boa parte desses problemas transcorreram graças à ocultação dos atos administrativos questionados e escondidos dos olhos do controle social. Em que pesem as disposições constitucionais e legais acerca do direito de acesso à informação, o Poder Legislativo vem descumprindo seus deveres de publicidade e transparência. Tal fato prejudica sobremaneira a fiscalização dos atos administrativos pelo cidadão comum, como também aos órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público Estadual, no que se refere a atos não sujeitos a qualquer sigilo, como aqueles relativos a folha de pagamento, uso da verba de gabinete, atos legislativos etc”, explica outro parágrafo da ação civil pública.
CGE e CGU confirmam falta de transparência
Durante o trabalho investigativo, o MPE/AL consultou a Controladoria Geral do Estado e a Controladoria Geral da União, a fim de que as duas instituições emitissem pareceres a respeito do portal da transparência do Poder Legislativo. Os dois órgãos reprovaram as informações disponibilizadas pela Casa. “Com referência à Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), não encontramos qualquer informação que satisfaça o atendimento aos artigos 48 e 48-A”, respondeu a CGU.
Já a CGE ofereceu resposta mais detalhada: “Entendemos que o órgão pesquisado não cumpre o previsto nos artigos 48 e 48-A da Lei Complementar 101/2000. As informações são colocadas aleatoriamente, sem critério de organização assegurados no Artigo 1º da LC 31/2009, no que diz respeito a informações pormenorizadas e aos padrões de qualidade, que facilitem a participação popular no acompanhamento das contas públicas. Não há dados destacados sobre o orçamento do órgão e planejamento de gastos. Não há identificação sobre setor do órgão ou gabinete parlamentar envolvido na receita ou despesa lançada nos documentos publicados. A folha de pagamento publicada apresenta apenas uma lista de nomes em ordem alfabética, sem identificação de lotação e regime de contratação, omite o valor bruto percebido e os demais descontos, limitando-se a apresentar apenas o valor líquido recebido pelo servidor. Na maioria dos documentos constam apenas valores, sem identificação dos beneficiários; pagamentos totais de valores ao INSS, também sem especificidades, sem identificação ou nomenclatura adequada”, destrinchou a Controladoria.
Apenas a ALE descumpre legislação
Segundo o Ministério Público, apenas a Assembleia Legislativa desobedece as Leis de Responsabilidade Fiscal e de Acesso à Informação. “Merece destaque nesse contexto o site do Governo Estadual (http://transparencia.al.gov.br), que mesmo com o expressivo volume de informações financeiras, contábeis e de gestão inerentes ao Poder Executivo, mantém uma robusta ferramenta de controle social de seus atos em seu portal. Da mesma forma, o Ministério Público demonstra sua plena lisura administrativa ao apresentar no endereço http://sis.mpal.mp.br/transparencia/ todos os instrumentos necessários ao acompanhamento e à fiscalização da aplicação dos recursos públicos utilizados em programas e ações do Ministério Público alagoano. Lamentavelmente, a Assembleia vem ficando à margem da lei, apresentando informações escassas, incompletas e pouco claras, além de defasadas, sem respeito à lei regente da matéria e de atenção ao cidadão, a quem deve satisfação”, detalha a ACP.
“Amparado por essa obscuridade, é que os gestores da Assembleia Legislativa consentiram com situações absurdas, ilegais e imorais do ponto de vista administrativo, tais como o pagamento de salários acima do teto constitucional a centenas de servidores comissionados no decorrer dos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, cujos vencimentos deveriam ser limitados ao subsídio do deputado estadual. Com base no que já foi apurado no inquérito civil em curso, somente no ano de 2012, o Departamento de Auditoria do Ministério Público levantou o pagamento de mais de 6 milhões de reais em salários acima do teto constitucional. Além dessa prática, identificamos inúmeros pagamentos de salários ilegais, em valores incompatíveis com os cargos ocupados pelos servidores comissionados, em gratificações ilegais e inominadas, motivadas tão somente pela proximidade dos servidores com os gestores da Assembleia”, acusa a ação proposta pelo MPE/AL.
Vencimentos acima do teto constitucional
A exemplo das irregularidades descobertas durante a apuração, graças aos documentos apreendidos após o cumprimento do mandado de busca e apreensão contra a Assembleia em 2013, chamou a atenção os pagamentos efetuados ao servidor Paulo Bentes de Souza Leal, nomeado para o cargo de secretário parlamentar, nível SP-28, do gabinete do deputado João Beltrão. Ele recebeu somente nos anos de 2012 e 2013 os valores líquidos de R$ 374.261,21 e R$ 301.670,15, respectivamente, montantes muito além do devido ao seu cargo.
Situação semelhante ocorreu com outros funcionários comissionados. Do gabinete do ex-presidente Fernando Toledo, o servidor Tulio Albuquerque Pinto ganhou R$ 799.665,53 entre os anos de 2010 e 2013, tendo excedido o teto constitucional em R$ 623.150,53. Ele foi o cargo em comissão que mais recebeu dinheiro da ALE nesse período. Nelson Lopes Pinto Filho, também ligado a Toledo, ficou em 3º lugar, tendo recebido dos cofres da ALE o valor de R$ 699.629,04, excedendo o limite permitido em lei em R$ 574.325,65.
Audrim Leão Vanderley teve vencimentos que totalizaram a quantia de R$ 688.173,24, com R$ 527.214,58 excedidos. Ele era ligado ao deputado Maurício Tavares. A quinta servidora que teve salários mais altos na mesma época foi Yslane Tereza Santos, do gabinete do então deputado Jota Cavalcante. Ela foi beneficiada com R$ 594.638,16, tendo excedido o teto previsto na Constituição em R$ 524.977,31.
O pedido do MPE/AL
Na ação civil pública, o Ministério Público requereu ao Poder Judiciário que, no prazo de 60 dias, a Casa de Tavares Bastos seja obrigada a disponibilizar de forma irrestrita e incondicional, através da implementação, alimentação regular e gerenciamento técnico em todos os meios de comunicação de que dispuser, especialmente no seu site, do ‘Portal da Transparência’, nos exatos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Acesso à Informação. O sítio deverá conter, essencialmente, informações orçamentárias e financeiras, como despesas totais previstas e pagas por grupo e elemento de despesa; despesas com a verba indenizatória destinada aos parlamentares, com a descrição dos gastos e indicação da aprovação de sua prestação de contas; despesas com passagens e diárias, discriminando nome e cargo do beneficiário, origem e destino de todos os trechos, período e motivo da viagem, meio de transporte e valor da passagem ou fretamento, bem como quantidade e valor das diárias concedidas e repasses aos fundos ou institutos previdenciários.
O MPE/AL pediu também que sejam detalhados gastos com pessoal, a exemplo de relação dos nomes dos parlamentares e dos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo pertencentes ao quadro de pessoal do Poder Legislativo, ativos e inativos, o número de identificação funcional, cargo e função, lotação, ato de nomeação ou contratação e a respectiva data de publicação com a indicação se são estáveis, não estáveis ou vitalícios ou a data de publicação do ato de aposentadoria; relação dos nomes de membros e servidores com funções gratificadas ou comissionadas, número de identificação funcional, descrição da função, lotação, ato de nomeação e a respectiva data de publicação e as remunerações discriminadas, incluindo subsídio ou vencimento, gratificações, diárias, indenizações e quaisquer outras verbas pagas aos parlamentares e aos servidores a qualquer título, publicadas mensalmente.
E, ainda, a ação pede que o Poder Judiciário determine ao Legislativo a criação, também dentro de dois meses, do Serviço de Acesso às Informações públicas ao cidadão (SIC), através de seu sítio eletrônico ou com protocolo local em condições apropriadas, visando atender e orientar o público quanto ao acesso a informações, bem como informar sobre a tramitação de documentos e protocolizar requerimentos de acesso a informações inerentes ao Poder Legislativo, conforme determina o art. 9º, I da Lei n.º 12.527/2011.
“Com efeito, os gastos públicos da Assembleia estão sendo despendidos mês a mês, não sendo possível, atualmente, controlá-los na mesma medida em que efetivados, não muito raro, por não ter havido sua publicação irrestrita e incondicional, o que acarreta dano irreparável à sociedade, já que gastos irregulares poderão ser perpetuados ao arrepio do conhecimento público. De outro vértice, insta frisar que, acaso denegada a tutela requerida, deixando-se de sanear de imediato a atitude ilegal perpetrada pela Assembleia Legislativa do Estado, outros órgãos estatais poderão sentir-se à vontade para proceder ao descumprimento da Lei de Acesso à Informação nos mesmos moldes aqui vergastados, obtendo-se, daí, um efeito multiplicador, capaz de comprometer a efetividade da Lei nº 12.527/2011”, concluem os membros do Ministério Público que assinam a ação civil pública.
A ACP foi ajuizada pelo procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, e pelos promotores de Justiça José Carlos Castro, Luciano Romero da Matta Monteiro, Napoleão Amaral Franco, Vicente José Cavalcante Porciúncula, Norma Sueli Tenório de Melo Medeiros e Carlos Omena Simões.