Agora, oficialmente, o Mutum-de-alagoas foi apresentado ao povo da sua terra natal. Numa solenidade que reuniu dezenas de pessoas, entre autoridades e ambientalistas, as aves e o viveiro foram tornados públicos e as pessoas puderam conhecer o animal que foi considerado símbolo dos 200 anos do estado. Os criadores responsáveis pela preservação da espécie participaram daquele momento e se emocionaram. O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) é um dos atores responsáveis pela reintrodução do Mutum ao seu habitat natural.
O evento aconteceu neste dia 22, no Centro de Educação Ambiental Pedro Mário Nardelli, localizado na Usina Utinga, em Rio Largo. A entidade leva o nome do empresário e ambientalista que, no final da década de 70, conseguiu resgatar os últimos indivíduos de mutuns que existiam em Alagoas. “Montamos uma expedição e ficamos dois meses na mata tentando achar os animais. Só voltamos para o Rio de Janeiro quando estávamos com seis exemplares. Foi um trabalho árduo cuidar deles até que conseguissem se reproduzir. E participando hoje deste momento, eu me emociono bastante. Tem um dedo meu nisso tudo. Não consigo descrever o tamanho da minha alegria”, comentou Nardelli.
O Ministério Público há 19 anos vem acompanhando o trabalho feito por Pedro Nardelli e Roberto Azeredo, os dois ambientalistas que salvaram o Mutum da extinção. Inclusive, para ajudar na preservação não somente dele, mas também de outras espécies ameaçadas de sumir da natureza, o procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, instituiu o Programa de Atuação Ministerial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção no Estado de Alagoas. Ele será coordenado pelo Núcleo de Proteção ao Meio Ambiente, que tem o promotor de justiça Alberto Fonseca no comando.
Criado pelo Escritório de Projetos da Assessoria de Planejamento Estratégico do Ministério Público (Asplage), o programa vai acompanhar os processos de adaptação, vivência e reprodução do Mutum e também acompanhará a reintrodução do Papagaio Rhodocorytha à natureza. “O MP continuará sendo parceiro desse grande projeto de conservação de espécie que está sendo executado aqui no estado. Por isso a chefia da instituição assinou, nesta sexta-feira (22), o Programa de Atuação Ministerial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção no Estado de Alagoas.
O Mutum foi o primeiro, mas outros virão. Tenham certeza que estamos participando desse evento com o sentimento de sonho realizado. Sonho esse que só foi possível pela união de várias pessoas, entidades e instituições”, afirmou a promotora Stela Cavalcante, coordenadora da Asplage.
“O que salvou o Mutum de verdade foi o amor desses ambientalistas, que carregaram o animal por todos esses anos. Foi uma vida dedicada à preservação da espécie. É por isso que tínhamos o compromisso de estar presente neste dia que marca, oficialmente, a reintrodução do Mutum-de-alagoas à sua terra de origem. E acrescento que, também nesta sexta-feira, estou assinando o decreto que torna o Mutum a ave símbolo dos nossos 200 anos de história”, comunicou o governador Renan Filho.
Espera que durou 4 décadas
A espera durou mais de quatro décadas até que tudo fosse cuidadosamente preparado para recebê-la. Foi criado o Plano de Ação Estadual do Mutum-de-alagoas (PAE) e diversas instituições, entidades e empresas se envolveram no programa que tinha o objetivo de trazer de volta a espécie para o seu habitat natural. Tal trabalho coletivo envolve o Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL), o Instituto para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), o Instituto SOS Caatinga, a Usina Utinga Leão, o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), a Federação das Indústrias do Estado do Alagoas, o SindAçúcar e a empresa Lúcio Moura Arquitetura e Conceito.
“Estamos muito felizes de fazer parte desse momento. Ele é histórico porque é a primeira vez que o Brasil devolve um animal ao seu local de origem. É claro que todos os cuidados foram tomados e, a partir de agora, eles precisarão ser ainda maiores. Conservação do habitat do animal, fiscalização dos órgãos de controle para evitar mais desmatamento e a caça e um forte trabalho de educação ambiental no entorno da região de mata atlântica fazem parte das estratégias montadas. E só depois da execução de todas elas é que pudemos ir buscar os animais em Minas Gerais para que eles possam não mais ficar em viveiros, mas dentro das matas alagoanas”, detalhou Alberto Fonseca.
“No nosso criatório, em Contagem, região metropolitana de Minas Gerais, esse casal de mutuns estava num viveiro de cerca de 20 metros de quadrado. Já aqui em Alagoas o espaço é bem maior, 400 metros. Isso dará mais liberdade aos animais, que estão vivendo num lugar mais confortável e próximo aquilo que é mata atlântica. Está lindo de se ver e a emoção realmente conta conta da gente”, comentou Roberto Azeredo, proprietário do CRAX – Sociedade de Pesquisa de Fauna Silvestre. “Trazer o Mutum-de-alagoas de volta à nossa terra é a realização de um desejo conjunto. Hoje, apenas um casal chegou, mas nossa expectativa é que em 2018 possamos trazer mais exemplares. Até lá, continuaremos trabalhando para que todas as fases da reintrodução possam ser obedecidas de forma criteriosa.
São etapas técnicas necessárias para que tudo dê certo na hora que tivermos que soltar os animais na mata. Como uma das maiores preocupações é com o fim da cultura da caça na região, o trabalho de educação ambiental será importantíssimo nesse período, fazendo com que os calçadores entendam que a ave não pode ser morta porque ela não existe mais na condição de livre no Brasil”, explicou o presidente do IPMA, Fernando Pinto.
O ator e ambientalista Vitor Fasano, considerado um dos maiores defensores desse tipo de causa no Brasil, também participou da solenidade. “Essa é uma bela história. E é uma história bonita porque nenhuma outra espécie da nossa fauna teve tanta sorte em encontrar pessoas como Pedro Nardeli e Roberto Azeredo. Também é preciso dizer que falamos de preservação da natureza, temos que desculpar quem desmatou, matou ou ocupou o meio ambiente de forma errada lá atrás porque não tinha conhecimento do que estava fazendo. Porém, hoje, é nosso dever resgatar tudo aquilo que foi perdido.
É preciso que a população fique atenta para os desmantelamentos que o governo queira fazer em relação as regras de preservação ambiental. Talvez não tenhamos mais 40 anos para salvar outra espécie que sofra processo de extinção. Se a inteligência humana existe, vamos praticá-la para o bem de todos os seres vivos. Assim, conseguiremos fazer um mundo melhor para todos nós”, disse ele. Sentimento que foi compartilhado pelo professor-doutor Luís Fábio Silveira, ornitólogo da Universidade de São Paulo (USP) e que membro do IPMA. “Somos testemunhas oculares de um fato sem precedentes para a história da preservação ambiental brasileira e ouso dizer que, pela primeira vez em toda América Latina, uma espécie extinta da natureza pisa novamente em seu solo natal. O Mutum-de-alagoas desafiou os caçadores e o desmatamento, desafiou a genética e até os cientistas mais céticos. Ele lutou contra adversidades para hoje pisar no solo de onde nunca deveria ter saído. Felizmente, a sensibilidade e a energia de grandes ambientalistas foram a chama que manteve acesa essa espécie.
O projeto de reintrodução durou 20 anos, mas ele não se encerra aqui. Trouxemos o alagoano de volta para casa e o trabalho precisa continuar. Essa retorno tem que ser visto pela população e pelo poder público como um fator de transformação cultural”, declarou o especialista em aves.