No último dia 26 de setembro foi celebrado em todo o país o Dia Nacional do Surdo. Criada em 2008 pela Lei 11.796, a data é uma homenagem à fundação da primeira escola para pessoas com surdez no Brasil, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INEZ), em 26 de setembro de 1857, no Rio de Janeiro.
Para tratar sobre inclusão e sobre as dificuldades que essa população enfrenta no seu dia a dia, o Ministério Público de Alagoas (MPAL) realizou nesta quarta-feira (28) um encontro que teve como tema ‘Direitos fundamentais da pessoa surda: da invisibilidade à inclusão’. Realizado de forma híbrida (presencialmente e virtualmente), o evento é uma parceria entre o MP, a Hand Talk e a Associação dos Amigos e Pais de Pessoas Especiais (AAPPE).
De acordo com a promotora de Justiça Marluce Falcão, que é coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do MPAL, debates como esse realizado pela instituição na tarde desta quarta-feira contribuem para promover a inclusão das pessoas surdas. Ela pontuou que, além de ser um espaço para a apresentação de demandas por parte dessa população, o evento também tem como objetivo despertar a sociedade para a importância do tema da inclusão e da acessibilidade.
“O Ministério tem exatamente esse papel: ser o guardião da Constituição Federal e proporcionar que os direitos fundamentais que dignificam a pessoa humana, independente de qualquer diferença, sejam assegurados. No dia de hoje, o papel do Ministério Público é ouvir a comunidade surda do Estado de Alagoas, quais são os maiores problemas que eles estão enfrentando para que nós possamos alcançar, através das promotorias especializadas, a solução desses problemas. O que verificamos no decorrer das nossas conversas e reuniões com essa representação da sociedade foi exatamente os grandes obstáculos que eles têm à informação, porque o surdo precisa ter um intérprete para qualquer tipo de programa oficial, programa cultural e de lazer, mas isso não vem ocorrendo. Eles são uma comunidade ignorada pela sociedade. Você imagina uma pessoa surda se dirigir a um centro de saúde e ninguém compreender a sua narrativa porque não existe nenhum profissional habilitado que possa fazer aquele atendimento?”, questiona Falcão.
Para a promotora de Justiça Maria Aparecida Carnaúba de Gouveia, que atua na Promotoria de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência, o Ministério Público se soma a essa luta pela garantia dos direitos das pessoas surdas, cumprindo o seu papel social. Ela falou sobre os avanços conquistados por esse segmento da população, destacando que muito ainda precisa ser feito para que os surdos tenham acesso aos direitos fundamentais, que estão previstos na legislação.
“Nós estamos aqui também em comemoração ao Dia Nacional da Pessoa Surda, que foi dia 26 de setembro. A relevância de um encontro desse não tem limites. Sabemos que a data já é comemorada mundialmente há mais de 100 anos. Nesse tempo, avanços foram alcançados, mas ainda tem muito a ser feito em relação à população surda, principalmente no sentido de divulgar e conscientizar a população dos direitos dessas pessoas, que são assegurados por leis, como também a luta por inclusão social. Acredito que é isso que se busca hoje aqui nesse evento”, ponderou a promotora.
Quem também participou do debate foi Isabel Alvim, pedagoga da AAPPE e especialista em educação inclusiva, que falou sobre as barreiras que as pessoas com surdez encontram tanto nos espaços públicos como nos privados. Para a educadora, que é surda, essa falta de acessibilidade impede que esse segmento da sociedade tenha acesso a serviços fundamentais e consiga exercer a cidadania plena.
“As barreiras que a comunidade esbarra é justamente com a comunicação, seja na área da saúde, da educação, da segurança, entre outros setores. Por exemplo, os atendimentos no SAC, por conta dos profissionais não saberem se comunicar. Isso traz um desconforto e um prejuízo de informação para o indivíduo surdo. Seria importante que as pessoas compreendessem pelo menos o básico da Língua de Sinais e pudessem fazer um atendimento acessível a todos. Os órgãos, sejam eles públicos ou privados, eu acabo tendo que pagar um profissional para poder me acompanhar naquele espaço. Seria interessante que os setores nesses espaços tivessem pelo menos o profissional de Língua de Sinais ou a capacitação dos profissionais que ali atuam. A barreira do surdo é justamente na Comunicação”, reforçou Isabel Alvim.
Para Jéssica Nobre, do setor de Linguística e de Inteligência Artificial da Hand Talk, a inclusão também deve contemplar o ambiente virtual. Como fazemos cada vez mais o uso de recursos tecnológicos para realizar tarefas do dia a dia, é importante que a acessibilidade seja garantida nos espaços virtuais, pondera Jéssica, que, assim como Isabel, integra a comunidade surda.
“Tem a questão da inclusão digital e a questão da inclusão da pessoa surda na sociedade. Nós falamos sobre isso no evento. O foco é realmente a tecnologia na internet, nos sites, ou seja, a inclusão digital. A gente percebe que ainda falta muita acessibilidade nos espaços e tem muitos surdos na sociedade. Muitas vezes, eles acessam a um site e não tem informação acessível. Tem alguns sites que possuem o Avatar, que é uma tradução em Libras, que auxilia um pouco nesse processo de comunicação e na leitura, mas existe uma dificuldade. Então, o mais importante seria ter outros meios, outros recursos. As pessoas têm direito à informação e nós somos todos cidadãos. Existem vários portais públicos, sites da área da Saúde, por exemplo. E nós temos direito a essa informação”, defendeu Jéssica.
Inclusão
Durante a abertura do evento, a promotora de Justiça Micheline Laurindo T. Silveira dos Anjos falou sobre a importância de encontros como esse, que contribuem para aproximar o Ministério Público da comunidade surda. Mais do que participar dos debates, a promotora pontuou que os membros e servidores do MP presentes no evento estão abertos a ouvir e aprender com a comunidade surda.
“É uma satisfação muito grande receber as palestrantes aqui hoje. O Ministério Público existe justamente para defender todas as pessoas que dependem da tutela de direitos. A pessoa surda precisa da tutela de direitos para sair da invisibilidade e se inserir em todas as searas da nossa sociedade. Para isso, a gente está aqui, disposto a conversar e a aprender com vocês sobre as demandas dessa comunidade que faz a diferença em nossa sociedade”, declarou.
O promotor de Justiça Jorge Dória destacou que o Brasil tem um rol de leis bem expressivo no que se refere à garantia dos direitos das pessoas com deficiência. Porém, muitos dos mecanismos que estão previstos na legislação não são vistos na prática, pontuou o promotor, mencionando que o descumprimento às normas faz parte da realidade brasileira.
“O Brasil tem uma profusão legislativa muito boa. A Lei de Inclusão, por exemplo, estabelece mecanismos e instrumentos para uma vida saudável, digna, independente, dentro da tratativa do princípio da igualdade para essas pessoas. A Lei traz todos os problemas e soluções necessárias para a vida de um deficiente auditivo. Se temos um universo tão grande de pessoas com deficiência, o que falta para essa realidade ser modificada? É uma angustia e um desafio enorme justamente por essa cultura no Brasil de descumprimento das normas”, finaliza.
Confira a transmissão completa do evento: clique aqui.
*A transmissão do evento foi ao vivo e contou com as intérpretes e tradutoras de Libras Roberta Rafaele e Adriana Moraes