O Ministério Público de Alagoas (MPAL) teve um dia de discussões sobre integração e garantia de direitos. Na sexta-feira (19), o primeiro encontro foi na sede da Procuradoria-geral de Justiça onde foi tratada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp) em Alagoas, com participação de representantes da Saúde de Maceió e da Saúde de Alagoas, da Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris), Defensoria Pública da União e Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Alagoas. À tarde, na sede do Tribunal de Justiça, ocorreu uma audiência pública com representação da Defensoria Pública Estadual, das polícias Civil e Militar, da Secretaria Municipal de Segurança Comunitária e Convívio Social (Semcs), do Gabinete Civil do Município de Maceió, do Consultório na Rua e da Coordenação Nacional da População de Rua, reunião coordenada pela promotora de Justiça Karla Padilha, pelo desembargador Tutmés Airan e pelo defensor Isaac Souto. O momento foi para ouvir denúncias de violência praticada por policiais e guardas municipais.
Sobre a política de saúde em benefício das pessoas encarceradas, o Município de Maceió e o Governo de Alagoas ficaram responsáveis por elaborar um plano de ação no prazo de 30 dias tratando sobre a realização de exames e consultas de média e alta complexidade para os apenados. O Município ainda ficou responsável por definir equipe de profissionais para fazer monitoramento no sistema prisional mensalmente.
Na próxima reunião, a Seris deverá apresentar as obrigações das organizações sociais contratadas pelo Estado para fornecer serviços em saúde. A Secretaria de Ressocialização também deverá fazer um levantamento sobre o quantitativo de profissionais da saúde necessários para atender o sistema prisional. A Seris e a Secretaria de Estado da Saúde deverão informar ainda quais unidades penitenciárias não são contempladas pelo Pnaisp.
A promotora de Justiça Karla Padilha explica que a reunião ocorreu após denúncia de que apenados com problemas psiquiátricos não receberiam atendimento. “Confirmamos a denúncia após visita ao sistema prisional. Identificamos que o problema era bem maior, envolvendo a prestação de serviços em saúde de uma forma geral. É um problema sério que merece ser tratado de forma macro”, comentou.
No tocante aos problemas de agressão e furto relatados pelos representantes dos moradores de rua, foi definida a criação de uma rede de aproximação entre a Polícia Militar e o Consultório de Rua, além da criação de uma guarnição específica para atender ocorrências relacionadas a este púbico. Na ocasião, os representantes das pessoas em situação de rua ressaltaram o tratamento diferenciado, e que foi suspenso, da Guarda Popular, conhecida com Gpop, da Semcs, e que segundo eles fazia abordagens mais humanizadas.
“Ouvimos as denúncias e a audiência foi justamente para tentarmos criar estratégias de reversão de uma situação inaceitável contra pessoas que já se encontram com seus direitos violados. A participação dos órgãos de segurança foi importante para que possamos, a partir de então, obter deles o compromisso de atuarem de forma integrada com um modelo de trabalho viável para os vulneráveis. Pois não se concebe que as pessoas designadas para proteger sejam as que espancam e furtam pertences de quem já não tem quase nada”, ressalta Karla Padilha.
A coordenadora do Movimento Nacional da População de Rua, Luana Vieira, enfatizou que os atos de violência ocorrem com frequência e que os autores são, geralmente, da Polícia Militar e da Guarda Municipal.
“Eles abordam com brutalidade, batem, ameaçam e ainda furtam o material que encontram principalmente aparelhos celulares, pois algumas pessoas em situação de rua recebem o auxílio e conseguem comprar o equipamento. Quando eram assistidas pelo Gpop se sentiam mais seguras porque havia uma aproximação e um atendimento respeitoso. Para que tenham uma ideia, há casos recentes de violência, mas existe o medo de denunciar porque temem morrer, sequer conseguimos trazer alguma vítima para participar da audiência. Queremos que a polícia e a Guarda cumpram seus papéis, mas nos respeitando como cidadãos, porque ninguém está na rua por achar que lá é o melhor lugar, por trás de cada um há uma história”, diz Luana.
A coordenadora do Consultório de Rua, Jorgina Sales, confirmou já ter presenciado abordagens descabidas e violentas.
“Em certos atendimentos presenciamos a polícia chegando de forma truculenta, principalmente quando é na busca por drogas. Dentro desse contexto de abordagem violenta, houve ocasião em que tive até de intervir par evitar algo mais trágico”, diz Jorgina.
Ressocialização
Após visita ao sistema prisional, a promotora Karla entrou em contato com o Núcleo de Defesa da Saúde Pública do MP, coordenado pela promotora de Justiça Micheline Tenório, para a realização de reunião com os atores envolvidos no assunto. “Nós vimos a necessidade de convocar todas essas entidades aqui presentes hoje para realizarmos as tratativas necessárias para a solução dos problemas na oferta dos serviços de saúde no sistema prisional”, relatou a promotora Micheline.
O defensor regional de Direitos Humanos da DPU, Diego Bruno Alves, destacou durante a reunião que o Estado de Alagoas não vem aplicando os recursos federais destinados ao sistema prisional. “No âmbito do Pnaisp, o Estado de Alagoas, desde 2014, vem recebendo mensalmente recursos federais, mas não está garantido plena execução à política pública. Atualmente, há 8 milhões de reais em conta estadual sem a devida execução”, afirmou.
Um dos pontos abordados pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL, Roberto Moura, foi a remuneração dos profissionais da saúde que atendem o sistema prisional. “Os salários ofertados são ínfimos, não sendo atrativos a esses profissionais. A proposta é que na próxima reunião possamos trazer soluções para que esses profissionais sintam-se motivados a trabalhar no sistema prisional”, pontuou.
A próxima reunião para debater o assunto ficou agendada para o dia 10 de julho, às 10h, no prédio da OAB.
Situação de rua
Durante a audiência, os representantes das polícias e do Poder Executivo Municipal se posicionaram demonstrando interesse em colaborar para a mudança dessa realidade de violação de direitos que vitimam as pessoas em situação de rua. O secretário da Semcs, Carlos Guido Ferrário, respaldado pelo secretário do Gabinete Civil, Felipe Lins, disse não haver empecilho de resgatar o Gpop para trabalhar diretamente nas abordagens a esse grupo específico de vulneráveis.
“A secretaria fará um levantamento, vamos acionar os componentes da Guarda citados pelos representantes do público em situação de rua e pela coordenação do Consultório, já que tivemos bons relatos do bom trabalho de abordagem por eles desempenhados e assim vermos a possibilidade do retorno do Gpop”, afirmou Carlos Guido..
A Secretaria também criará um número para receber denúncias de atos de violência praticados pela Guarda Municipal. Já a Polícia Militar, representada pelo tenente-coronel Marcelo, aproveitando a sugestão da criação de uma guarnição especializada para atendimento similar, cogitou a possibilidade de se trabalhar com o Gerenciamento de Crises , mas salientou que levaria a demanda ao comandante-geral. O oficial também colocou a corporação à disposição para interagir com os outros órgãos participantes da audiência.
“Estamos de portas abertas para discutir, conhecer experiências com quem tem um contato mais direto com as pessoas em situação de rua, ouvir o consultório, podendo fazer um trabalho de aproximação com a corporação e, dentro desse aprendizado, não tenham dúvidas, a Polícia Militar, como é sua obrigação, cumprir o seu papel de combater o ilícito e também de proteger o cidadão”. O coronel Marcelo ressaltou o trabalho de gerenciamento de conflitos pela unidade especializada da Polícia Militar, lembrando que o trabalho humanizado teve reconhecimento nacional, o que o levou à sugestão de a equipe pra esse fim poderia ser composta por seus integrantes.
O defensor isaac Souto que acompanha vítimas de violência em abordagens policiais e da Guarda Municipal, afirmou que, de fato, é preciso repensar o formato de atendimento.
“É preciso darmos as mãos para que a situação de violência seja banida e os direitos das pessoas em situação de rua, como outro e qualquer cidadão, sejam assegurados.”, disse.
A delegada de Polícia , Rebeca Cordeiro, afirmou que é inquietante polícia investigar policia.
“Não é o que gostamos de fazer, e creio que o momento seja para se chegar a um consenso sobre uma forma mais humanizada de se trabalhar, lógico que isso não impede de a polícia exercer seu papel, no entanto sem ultrapassar os limites, regrados pela lei e pela cidadania”, enfatiza.
População
Ao todo, no cadastro do Consultório na Rua, existem 3.856 pessoas em situação de rua na capital alagoana. Os bairros onde são registrados os maiores números de violência policial são: Benedito Bentes, Cidade Universitária, Vergel e Jaraguá. Casos com a Guarda Municipal ocorreram na parte baixa de Maceió.
Combinado com o desembargador Tutmés Airan, ficou definido um prazo de 30 dias para que os órgãos convocados para a audiência, apresentem suas propostas.
Por: Ethiene Fonseca e Dulce Melo
Fotos: Claudemir Mota e Anderson Macena