Nesta terça-feira, 25 de julho, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data faz alusão a evento realizado em 1992 na República Dominicana para tratar sobre a promoção de direitos dessa parcela da população. O Dia da Mulher Negra busca não apenas celebrar as conquistas já alcançadas, como também lembrar que a luta contra o sexismo e o racismo continua.

“As diferenças ainda são enormes, principalmente para a mulher preta periférica, que tem que trabalhar com três lógicas: ser mulher, ser preta e ser periférica. É preciso ter uma visão política dessa situação, desenvolver o letramento racial para perceber essa lógica colonialista que nos leva a pensar que não temos plano de voo”, defende a coordenadora do Instituto Raízes de África, Arísia Barros.

De acordo com Salete Bernardo, presidente do Conselho Estadual de Promoção à Igualdade Racial (Conepir), o Dia da Mulher Negra vem para mostrar o quanto Estado e sociedade têm negado durante séculos os direitos básicos à população negra, com destaque para as mulheres. Entre esses direitos, a presidente do Conselho destaca o acesso à educação e a postos de trabalho qualificados.

“Mesmo após abolição, a população negra não foi amparada pelo Estado após os mais de 300 anos de exploração. A grande maioria continuou sem saber ler, teve que morar nas periferias, trabalhar em subempregos. As mulheres negras, que cuidavam dos filhos dos brancos, continuaram presas aos trabalhos domésticos. Por isso, o Dia da Mulher Negra é tão importante, para mostrar à sociedade o quanto a situação ainda é desigual”, alerta.

Desigualdade

O Brasil é um país perigoso para mulheres negras. Segundo o portal Atlas da Violência, 2.468 mulheres negras foram assassinadas em 2019, o que representa 66% dos homicídios de mulheres. O Nordeste é a região mais violenta do país, concentrando 1.119 dos assassinatos de mulheres negras, seguido do Sudeste, que registrou pouco menos da metade (560 mortes). Os estados com maiores índices de homicídio são Bahia (358), Minas Gerais (207) e Pará (204).

“A gente percebe o aumento desses índices em nosso estado. Todos os dias, acordamos com notícias de feminicídio de mulheres negras. Nesta segunda, véspera do Dia da Mulher Negra, acordamos com mais uma notícia. Isso mostra a vulnerabilidade a que nós, mulheres negras, estamos expostas, como também a omissão do Estado em relação a isso”, comentou a presidente do Conepir.

Essa desigualdade também se reflete no mercado de trabalho. De acordo com relatório do Dieese, no 2º trimestre de 2022, a taxa de mulheres negras desempregadas foi 13,9%, maior que a média nacional (9,3%). Quando se fala em trabalho formal, quase metade das mulheres negras (47,3%) estavam trabalhando sem carteira assinada ou por conta própria.

O serviço doméstico ainda é exercido, em sua maioria, por trabalhadoras negras, com 16,4% delas se dedicando a esse tipo de atividade, índice bem maior que o observado junto às mulheres brancas (8,8%). “As mulheres negras continuaram presas aos trabalhos domésticos, seja cuidando da sua própria casa ou da casa de outras pessoas, ou seja, a mulher de cor continua sofrendo com as desigualdades raciais e de gênero”, reforça Salete Bernardo.

Luta

Esses dados evidenciam as diferenças sociais que separam as mulheres negras de todo o restante do país. Arísia Barros acredita que, para mudar a situação, são necessárias políticas públicas que permitam o efetivo exercício da cidadania, garantindo, dessa forma, a equidade. Mas, esse é um trabalho a ser feito a longo prazo, destaca ela.

“A gente percebe a subalternidade da mulher preta, que ainda vive nas senzalas contemporâneas. É preciso criar espaço de visibilidade, políticas públicas específicas para trabalhar a equidade. É necessário trabalhar as diferenças através de políticas diferenciadas para trazer para a cima quem está embaixo. A partir do momento que todos estiverem no mesmo patamar, a gente fala em equidade”, afirma a coordenadora do Instituto Raízes de África.

Salete Bernardo também defende a implementação de políticas públicas voltadas à mulher negra, principalmente para impulsionar o empreendedorismo. “Temos, por exemplo, iniciativas por parte do poder público, iniciativa privada e terceiro setor que vêm no sentido de apoiar mulheres negras empreendedoras. Estamos conseguindo vencer. Claro que tem muito ainda a ser conquistado, mas estamos no caminho do empoderamento”, afirma.

Outro ponto levantado pela presidente do Conepir é a busca por representatividade. Nos últimos anos, mais mulheres negras passaram a reconhecer a importância de se apropriar das suas próprias identidades, aponta Salete. “De uns anos para cá, muitas mulheres passaram a assumir os seus cabelos crespos. O mundo da moda também está mais diverso, com grandes marcas apoiando a cultura afro. Então, percebemos que o cenário vem melhorando, fruto dessa nossa luta”, comenta.

Violência

Além de marcar a busca por direitos sociais, o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha também representa a luta contra o racismo. Em Alagoas, a população conta com o apoio de diversos órgãos públicos que trabalham na repressão e no combate a esse tipo de crime, a exemplo do Ministério Público Estadual, com destaque para a atuação da 59ª e a 60ª Promotorias de Justiça da Capital.

“Evoluímos muito na eficiência do trabalho e, nos últimos anos, conseguimos a especialização da Promotoria de Justiça, com a especialização da secretaria no Judiciário e, bem assim, a conquista de uma delegacia especializada: a Delegacia Especial dos Crimes contra Vulneráveis Yalorixá Tia Marcelina. O sistema de proteção criminal, portanto, presencia uma evolução importante, que já é sentida do cotidiano de nossos trabalhos”, relata o promotor de Justiça Lucas Sachsida.

O combate ao racismo não é uma luta fácil, principalmente por conta do passado escravista do Brasil, pondera a promotora de Justiça Dalva Tenório. Ela acredita que, para além da punição, é preciso realizar um trabalho de conscientização para que a população conheça as leis e entenda que o racismo é crime.

“No nosso trabalho na Promotoria de Justiça vemos pessoas que cometeram crime de racismo tentarem justificar suas falas. Não é um crime fácil de combater, pois esse tipo de prática, infelizmente, está arraigado na coletividade. Durante centenas de anos, as pessoas reproduziram comportamentos racistas sem serem punidas. É importante que todos, enquanto sociedade, se conscientizem e entendam que esse tipo de prática não será mais tolerada”, finaliza.

História

No dia 25 de julho, também se celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, data criada com o objetivo de enaltecer o papel das mulheres negras que tanto contribuíram para a história do país. Para quem não sabe, Tereza liderou o Quilombo do Piolho, no Mato Grosso, que resistiu à escravidão por duas décadas.

Além dela, várias outras muitas mulheres negras participaram de modo efetivo na construção do Brasil. Em Alagoas, temos Dandara, que foi líder feminina do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência e da luta contra a escravidão no país. Conheça a história dessas e de outras mulheres negras notáveis: clique aqui.