Técnicos, gestores públicos, agentes econômicos, estudantes e comunidades sertanejas participaram da audiência pública promovida, nesta sexta-feira (2) pela 6ª etapa Fiscalização Preventiva Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, no campus do Instituto Federal de Alagoas em Piranhas. Na atual edição, a força-tarefa ganhou o status de Tríplice Divisa, com a atuação conjunta dos estados de Alagoas, Sergipe e Bahia.

Na ocasião, os representantes dos órgãos públicos estaduais e federais apresentaram os resultados de 13 dias de trabalho e escutaram o que a população tinha a dizer sobre a FPI do São Francisco.

Coordenadora da Fiscalização, que contou com a presença de 153 técnicos de 23 instituições integradas, Lavínia Fragoso destacou a passagem da FPI do São Francisco em praticamente metade do Estado de Alagoas. Isso porque a Bacia Hidrográfica do “Velho Chico” passa por 50 dos 102 municípios.

“Tivemos a satisfação de contar nesta etapa com a participação da Bahia e de Sergipe, esta realizando pela primeira a FPI no seu estado. Contamos também com a presença de técnicos e membros do Ministério Público de Minas Gerais, que deve realizar em 2017 uma FPI por lá. Nós ainda inovamos com a criação de uma nova equipe, a de patrimônio cultural e comunidades tradicionais, com foco em indígenas e quilombolas”, disse a promotora.

O vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Maciel Oliveira, afirmou que a FPI é formada por órgãos que defendem as causas do “Velho Chico” e de sua população ribeirinha.

“Ao contrário do que alguns pensam, a FPI não é só penalidades. Pelo contrário, temos uma etapa orientadora onde mostramos caminhos para que os empresários e as prefeituras se adequem às normas ambientais e consigam trabalhar sem poluir o meio ambiente. Temos exemplos de empresários que foram fiscalizados, multados, orientados e que agora nos chamam para as inaugurações de suas novas fábricas, desta vez totalmente adequadas e reformadas”, afirmou o gestor, que vê na FPI, um um novo instrumento de gestão das políticas públicas e dos recursos hídricos e do meio ambiente.

Estiveram presentes na audiência pública prefeitos, vereadores, secretários municipais, procuradores, servidores e empresários de Delmiro Gouveia, Piranhas, Olho d’Água do Casado, Pariconha, Inhapi, Água Branca e Mata Grande. O deputado estadual Ignácio Loyola representou a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas.

Mineração e resíduos sólidos

O coordenador da equipe Mineração e Resíduos Sólidos, Rafael Élvis, narrou a fiscalização do transporte e descarte de lixo no meio ambiente. Seu grupo também atuou no combate à extração mineral, principalmente de areia. Ao todo, os agentes públicos passaram por nove lixões, 18 pontos de extração mineral, cinco garagens de Prefeituras e uma fábrica de reciclagem.

“Desde 2010, a Lei n. 12.305 já falava da importância do aterro sanitário. O prazo para os municípios se adaptarem a ela já esgotou, foi prorrogado, até acabar novamente em 2014, mas a situação segue muito precária. Há pessoas morando em lixão há 11 anos, dividindo espaço com agrotóxicos e material descartado por centros de saúde”, lamentou.

Educação ambiental

A equipe de Educação Ambiental trabalhou com 2.820 alunos, em nove municípios visitados. Utilizando como didática pinturas interpretativas, apresentação de trabalho, palestras e gincanas, a ideia foi sensibilizar as crianças para as questões ambientais envolvendo o bioma da caatinga.

“Trabalhamos com conceitos de prevenção, utilizando uma linguagem que atingisse o mais variado público. Junto aos alunos identificamos os problemas e apontamos soluções, como por exemplo a maneira certa de buscar as potencialidades da caatinga sem desmatar ou destruir o meio ambiente. O que desejamos é que estes alunos sejam multiplicadores e cheguem em suas casas repassando estes conceitos”, explicou Rennyse Cruz, em nome da equipe.

Produtos de origem animal e produtos perigosos

Com a intenção de detectar irregularidades na fabricação de alimentos e crimes contra o meio ambiente, Gilson Tojal participou da equipe de Produtos de Origem Animal e Produtos Perigosos. “A finalidade do nosso trabalho era resguardar o equilíbrio ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a saúde da população alagoana”, disse ele, que recomendou aos agentes econômicos a consulta junto aos órgãos de fiscalização sobre licenciamentos e autorizações.

Entre os problemas identificados pela equipe, encontram-se estabelecimentos clandestinos de fabricação de derivados do leite e da carne; péssimas condições higiênicas e sanitárias; ausência de responsáveis técnicos nos locais fiscalizados, ausência de licença ambiental; maus tratos aos animais; e comercialização de agrotóxicos sem autorização das entidades competentes.

Saneamento básico

Em nenhum dos municípios visitados pela FPI do São Francisco foi encontrado saneamento básico, ou mesmo um sistema de tratamento de água em conformidade com as normas reguladoras. A constatação foi feita pela equipe de Saneamento da fiscalização, que ainda flagrou um grande desperdício de água na maioria dos locais visitados.

“A situação é estarrecedora, me pergunto o que estamos fazendo com nossas cidades. A situação é de total abandono. Os esgotos sendo jogados nos rios afluentes do São Francisco e, quando existem estação de tratamento de água, estes não funcionam de acordo com as exigências ou estão em um estado de abandono tão grande que só fazem desperdiçar água. Isso acaba influenciando diretamente no adoecimento da população. Para se ter ideia, no sertão ainda é grande o número de doenças e óbitos provocados por diarreia. Enfim, é o resultado do descaso do poder público com a saúde da população”, afirmou Elizabeth Rocha, coordenadora da equipe.

Ocupações e captações irregulares de água

Passando pelos municípios ribeirinhos , a equipe de Ocupações e Captações Irregulares de Água averiguou locais com empreendimentos e imóveis irregulares, bem como catalogou subtrações de aquíferos com o objetivo de encaminhar para Agência Nacional de Água. Ao todo, o grupo encontrou 70 pontos de ocupação irregulares, 200 de captação em desacordo com a lei e dois de desmatamento e terraplanagem.

“As matas ciliares fazem parte da área de preservação permanente. Quando elas são suprimidas para fazer um aterro, piscicultura ou ancoradouros, prejudica-se a estabilidade das margens. Com isso a terra cai no rio, diminui a oxigenação da água e reduz a biodiversidade animal. Você já notaram como a quantidade e tipos de peixe caíram de uns tempos para cá?! Se vocês não podem suprimir vegetação, tampouco podem jogar terra no rio, pois o assoreamento ameaça a navegação no local e a reprodução dos animais”, destacou André Battalhini, líder do grupo.

Patrimônio cultural e comunidades tradicionais

Identificar comunidades tradicionais, levantando a condição de vida dessas pessoas, e achar novos patrimônios culturais. Esses foram os principais objetivos da equipe de comunidades culturais, que foi a novidade desta 6° etapa da FPI. Durante os trabalhos, a equipe fez a importante descoberta de três novos sítios arqueológicos, onde havia figuras rupestres, no município de Piranhas.

“Encontrarmos situações difíceis nestas comunidades. Lugares sem saneamento, água potável ou sequer coleta de lixo. Um grande número de casas de taipa, que, sabemos hoje, são insalubres . É preciso cuidar dessas pessoas, são nossos ancestrais, o começo de tudo”, declarou Ivan Farias, coordenador do grupo.

Durante apresentação dos resultados da equipe, o coordenador chamou o cacique Inakuai, da tribo Koiupanká, e o responsável pela escola da aldeia, o professor Francisco Koiupanká.

“Tudo na vida do indígena encontra sentido na natureza. Então nosso respeito por ela é maior que tudo. Temos um rito de passagem, feito de pai para filho, que é uma verdadeira aula de educação ambiental. Nosso povo respeita a natureza e se tiramos algo dela, fazemos com consciência e por necessidade. O que queremos é respeito pelos índios e pela natureza “, falou o professor.

Fauna

A FPI do São Francisco resgatou 2.040 animais silvestres de feiras livres e residências. Destes, 2000 eram aves, 36 répteis e quatro mamíferos, entre eles espécimes de pintassilgos-do-nordeste e a araponga-barbela, que estão ameaçados de extinção. No ato de resgate da araponga, o capturador disse que o possuía há cinco anos.

“Se o pássaro estivesse livre, possivelmente teríamos mais espécimes dele nas matas, pois a reprodução é prejudicada em razão da perda do habitat original e em virtude da caça e captura”, explicou Epitácio Lima, integrante da equipe Fauna, que ao lado do coordenador do grupo, Marcos Araújo, falou sobre o resgate dos animais e dos cuidados adotados antes de soltá-los em reservas ambientais. Os dois pediram apoio às lideranças da comunidade para proteger a fauna da Caatinga.

Centros de saúde

A equipe de unidade de saúde visitou oito alvos e, segundo a coordenação, em nenhuma delas a situação está adequada ao padrão imposto pela legislação. São postos de saúde, maternidades e hospitais que não têm condições ideais de funcionamento. Foram encontrados de falta de licenciamento, medicamentos vencidos e falta de dedetização a situações de lixo hospitalar misturado com o lixo comum, em um total desrespeito com a saúde dos usuários e da população.

“Os gestores deveriam saber dos perigos dessa falta de manutenção. Eles trabalham diretamente com saúde, com limpeza, onde a higiene tem de ser absoluta. Encontramos baratas, ratos e animais comuns como cachorros e gatos andando pelas unidades de saúde. São situações que favorecem a disseminação de infecção hospitalar e outras mazelas, além da situação do lixo hospitalar misturado com o lixo comum. Isso vai direto na saúde da população, já que existem pessoas trabalhando nesses lugares”, disse o coordenador da equipe, tenente Wenderson Viana. Ele encerrou a apresentação afirmando que algumas unidades já contrataram empesas para solucionar os problemas.

Flora

Para Roberto Wagner, coordenador da equipe Flora, certas localidades do bioma Caatinga estão tão degradadas, que, mesmo com a volta da chuva, a mata não voltará, muito menos as plantações. O desmatamento da vegetação nativa, o aterramento de aquíferos como o reservatório do Xingó e áreas em processo de desertificação são alguns dos principais problemas dos sertanejos.

“A mata depende dos animais, e os animais dependem da mata. Nessa relação simbiótica, encontra-se a sobrevivência da biodiversidade da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, ressaltou Roberto Wagner, que constatou 97,4 hectares (324 tarefas) de área desmatada. A equipe dele também foi responsável por destruir 17 fornos de carvão vegetal clandestinos e apreender 30 sacos do produto, mais 5m³ de lenha nativa e petrechos de pesca.

Aquática

Através da equipe aquática, a FPI do São Francisco fez a soltura de 14 mil espécimes de camarão e peixe no Velho Chico. Além disso, foram vistoriadas 59 embarcações, provocando seis notificações, recolhidos 3.200 metros de rede de pescas irregulares e 3.284 covos – armadilhas de pescas – fora do padrão exigido pela legislação. Apesar dos números espantosos, a coordenação da equipe identificou que houve uma diminuição das situações irregulares, o que já é resultado das etapas anteriores da FPI.

“Houve uma pequena diminuição de certas situações. Mas é um avanço. São números menores do que os encontrados em anos anteriores e isso é importante. Eles revelam que a FPI vem dando resultado”, disse Rivaldo Couto, coordenador da equipe.

Ainda durante as atividades da equipe, a Marinha do Brasil também realizou atividades educativas para conscientizar a população ribeirinha da importância de se garantir a segurança ao navegar pelas águas do rio e de se conservar o meio ambiente. Durante suas atividades, a Marinha regularizou gratuitamente a situação de 20 embarcações e distribuiu 15 coletes salva-vidas.

“Nessa FPI demos importantes passos para a saúde e a segurança da população ribeirinha que usa o rio São Francisco como meio de trabalho. Podemos não enxergar a importância deses primeiros passos, mas no futuro veremos o que realizamos hoje com essas ações “, disse o capitã-tenente Rafael Velasques.

Sertanejos falam

Questionado por um popular sobre a prática de traçar a terra com animal, o promotor de Justiça Alberto Fonseca respondeu que ela não só era permitida como também corresponde a um meio sustentável. “Lembro que, em edições anteriores da FPI, surgiu um boato de que estávamos proibindo a tração animal, o que não é verdade. Trata-se de uma notícia falsa”, ressaltou.

O produtor de rapaduras e dono de restaurante Maurício Brandão falou em nome da Rede Empresarial Caminhos do São Francisco: “Somos empresários que entendem o impacto ambiental, mas que também pedem sensibilidade em relação ao impacto econômico, pois geramos emprego e renda. Pergunto se não era possível fazer um trabalho educativo antes da abordagem da fiscalização. Ninguém quer trabalhar irregularmente. Buscamos um consenso”.

Pelo Ministério Público Federal em Alagoas, o antropólogo Ivan Farias lembrou a população que os técnicos responsáveis pela fiscalização já passaram pela região e que precisam cumprir suas obrigações, sob o risco de terem de responder pelo crime de prevaricação.

“Todos nós, poder público e população, pensamos parecido. Queremos a mesma coisa: melhorar a vida dos sertanejos. Exatamente por isso precisamos discutir essa catástrofe ambiental, que não pode ser mais adiada, nem mesmo pelo argumento da renda. Foi mostrado hoje os impactos da desertificação. É preciso pensar no presente, mas também no futuro, nas gerações futuras. E não adianta culpar só o governo, todos temos de agir como cidadãos. Estamos juntos na defesa do Velho Chico, venham também serem fiscais da FPI”, convocou o servidor.

Os coordenadores das equipes destacaram que a interdição dos estabelecimentos não é definitiva. Segundo eles, o maior objetivo da FPI do São Francisco é regularizar os negócios locais juntamente com a preservação do rio. Os órgãos públicos também se comprometeram a orientar empresários trabalhadores na regulação dos empreendimentos.

“De todas as etapas que participei, esta foi a que mais me pareceu produtiva. Tenho certeza de que agora vamos andar juntos na mesma direção”, concluiu o capitão-tenente Rafael Velasques.

Homenagens

Representando toda a equipe da FPI em Alagoas, Lavínia Fragoso entregou uma placa em homenagem ao tenente Wenderson Viana pelo empenho e dedicação ao trabalho conjunto de fiscalização.

Na sequência, foi a vez da promotora de Justiça ser homenageada pelo presidente do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Pedro Serafim, por sua atuação na criação do fórum estadual do ramo.

O Hospital Regional Santa Rita e o Supermercado Pague Menos também receberam homenagens como “amigos da FPI”, tal como Rafael Velasques foi agraciado com uma menção honrosa pelos serviços prestados durante a Fiscalização.

FPI Alagoas

Em Alagoas, a Fiscalização Preventiva Integrada contou com o envolvimento de 23 instituições e entidades, todas com atribuição na esfera ambiental. Sua coordenação fica por conta dos promotores de Justiça Lavínia Fragoso e Alberto Fonseca, que integram o Núcleo de Proteção ao Meio Ambiente do MPE/AL.

E, em terras caetés, compõem a FPI o Ministério Público Estadual de Alagoas, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), a Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas (Sefaz), a Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau), a Secretaria de Estado da Agricultura, Pesca e Aquicultura, a Polícia Militar de Alagoas e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (CREA).

Também fazem parte o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), o Instituto do Meio Ambiente (IMA), a Marinha do Brasil, a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Alagoas e o Instituto de Preservação da Mata Atlântica.

E, ao todo, foram 11 equipes indo às ruas todos dias: resíduos sólidos, extração mineral e postos de combustíveis; produtos em uso de origem animal e vegetal; saneamento básico, abastecimento de água e esgotamento sanitário; ocupação irregular às margens do São Francisco e produtos perigosos; aquática; centros de saúde; fauna; flora; educação ambiental; patrimônio cultural e comunidades tradicionais; e a equipe base.