‘Ayê -diálogo preto: Entre os saberes e os fazeres na implementação das políticas para a igualdade racial”. Esse foi o nome do evento que ocorreu na manhã desta quinta-feira (22), no prédio-sede do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL), para debater ações de combate ao preconceito de raça e iniciativas que possibilitem a paridade de espaço e oportunidades para brancos e negros em Alagoas. Uma das sugestões apresentadas foi a criação de um grupo de trabalho (GT) para atuar, em todo o estado, na defesa da população preta.
Idealizado em parceria entre o órgão ministerial e o Instituto Raízes de Áfricas, o evento foi conduzido pelo procurador-geral de justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, e pela professora Arísia barros, presidente daquela entidade.“Temos vários promotores negros e todos se tornaram exemplos na instituição. Em suas histórias de vida, eles tiveram que superar obstáculos para conquistar seus cargos e ultrapassaram todas essas barreiras, mostrando que venceram as adversidades e o preconceito. E como sabemos que cor não define caráter e competência de ninguém, defendemos que discussão exista sempre, e alguns dos caminhos para a transformação social que buscamos são a educação e as parcerias com os movimentos que trabalham no combate ao racismo”, afirmou o chefe do MPE/AL.
“Inclusive, para mostrar o nosso compromisso com a igualdade racial que defendemos, quero informá-los que o concurso para novos servidores do Ministério Público terá cota para negros. O edital que está sendo preparado prevê 20% das vagas para cargos com mais de três assentos. E essa inclusão não vai ocorrer apenas porque o Ministério Público é o fiscal da lei. Ela acontece está aplicado, e não é um processo de inclusão simplesmente em determinando segmento social. Estamos consciente do nosso papel nesse processo e sabemos da importância de eventos como este que estamos realizando em parceria. A instituição tem um olhar amplo e de aprendizado para fortalecer os direitos do cidadão e tem trabalhado para fortalecer a inclusão, por meio da conscientização de seus servidores e membros”, revelou.
O promotor de justiça José Antônio Malta Marques, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça (Caop), também ressaltou o compromisso social da instituição em defesa dos negros. “Podem ficar certos que todos nós estamos imbuídos do propósito de buscar justiça para tudo aquilo que envolva a população negra. A sociedade vai receber essa resposta do Ministério Público, afinal, não podemos silenciar diante dos crimes de racismo e ódio”, garantiu.
Ivaldo Silva, promotor da cidade de Cacimbinhas, compôs a mesa de honra e falou do orgulho de participar de uma atividade que discutiu o combate a discriminação racial. “Muito me honra ser um homem de pele preta. Quero dizer que fui imensamente bem acolhido nesta instituição e nunca me senti destratado ou diferente por causa da minha cor. Então, não me surpreende que o Ministério Público esteja discutindo este tema, ele é democrático e prega a igualdade”, disse ele.
“Falo hoje aqui com o coração, como um homem que, durante a vida toda, sentiu na pele o racismo. É por isso que é tão fundamental discutir este tema todos os dias. E o Ministério Público pode ser esse braço forte na busca do estabelecimento de diretrizes que preguem a paridade de direitos e deveres. E mais, a união de instituições e entidades deve seguir firme para que as conquistas sejam fortalecidas cada vez mais”, argumentou o promotor de justiça Almir Crescêncio, chefe de gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça. As diferenças, sejam elas de cor, credo, gênero, devem nos aproximar e não nos afastar. Um debate como esse deixa essa mensagem, de que todos somos iguais perante a lei”, também discursou Flávio Gomes da Costa, presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas (Ampal).
“Foi um prazer estarmos nesse evento. E isso só aconteceu porque o Instituto Raízes de África tem tido um bom diálogo com o procurador-geral de justiça, Alfredo Gaspar. Ele tem entendido que é preciso abrir espaços, a exemplo desse aqui no com o Ministério Público, para que falemos dos nossos problemas e angústias. Queríamos dizer a vocês que o racismo não é um problema somente de nós pretos, ele é problema social e faz mal a milhões de pessoas. Somos mais de 60% dos brasileiros e, ainda assim, sofremos tanta discriminação. Viemos aqui pedir ao MP para que ele ande de mãos dadas conosco, omo um grande quilombo, na busca por justiça social”, sugeriu Arísia Barros.
GT de promotores de justiça
Maria Bernadete Lopes, psicóloga e especialista em comunidades tradicionais do estado de Pernambuco, foi uma das palestrantes do evento. Ela sugeriu que o Ministério Público criasse um grupo de trabalho para ajudar os povos quilombolas de Alagoas. “Sabemos que as comunidades tradicionais, como quilombolas, índios e ciganos são de responsabilidade do Ministério Público Federal. No entanto, lá em Pernambuco, nós conseguimos convencer os promotores de justiça que eles poderiam ser úteis nesse processo de garantia de direitos. Então, eles acabaram se aliando ao MPF e formaram um GT que deu suporte a muitas demandas desses povos. Atuaram junto as polícias, as secretarias com atribuição na esfera social e até perante o Incra. Foi uma grande experiência que deu certo. Recomendo que isso seja replicado em Alagoas”, sugeriu.
“O Ministério Público está de portas abertas para criar esse GT. É vocês nos orientaram sobre os caminhos que devem ser percorridos para a sua formalização”, declarou Alfredo Gaspar de Mendonça Neto.
O evento contou ainda com palestras da jornalista e mestranda da USP Maitê Freitas, do cientista social da Ufal Carlos Martins e da atriz Kenia Maria que falaram, respectivamente, sobre ‘Direito à memória”, “A construção de um pensamento de segurança pública no Brasil” e “Vidas negras”.
“Defendo que haja a desmilitarização no Brasil, que aconteça uma formação continuada de policiais sobre as dimensões do racismo institucional e os males que ele provoca, o redirecionamento das concepções de segurança pública para que as ações governamentais sejam mais articuladas e a implementação das propostas aprovadas nas conferências que discutem igualdade racial”, alegou o professor Carlos Martins em sua explanação.
Já Maitê Freitas aproveitou a ocasião para falar sobre o caso da vereadora Marielle Franco, assassinada na semana passada, no Rio de Janeiro. “Chama-me a atenção como o caso da Marielle vem sendo deturpado. Ela não era uma mulher qualquer, a sua morte não foi simplesmente mais uma. Foram 46 mil pessoas q votaram no ideal que a vereadora representava. Quantas mulheres negras se sentiram mortas depois daquele crime tão covarde? A memória de Marielle precisa ser mantida viva para que continuem sendo legítimas as causas abraçadas por ela, que são aquelas mesmas defendidas por tantas negras da periferia. Exigimos que nossas vidas sejam preservadas e que não nos julguem por causa da cor”, declarou a jornalista.